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sábado, 25 de dezembro de 2010

Maria Rosa

Seu nome é o mais pobre de todos: mistura Maria, que de tanto usado já não tem sentido, e Rosa, que virou sinônimo de flor para nossas cabeças tão urbanizadas. Qual a beleza disso? Além de composto e curto, seu nome é feio. Eu não te amo, Maria Rosa.

Rosa, uma cor que, com outro nome, teria o mesmo tom morto como a sua face, vazia de expressão. Olhe só para você mesma: não se move, não respira nem me sussura belas palavras. Seus dedos já não se entrelaçam no meu cabelo, nem massageiam meus ombros depois de um dia inteiro de amor. E pensando bem, seus olhos sempre foram assim meio ocos, meio zombeteiros. Você me via ou via através de mim? Era a mim que jurava amor, ou a outro às minhas costas, em quem você deitava seu olhar inexpressivo enquanto eu te abraçava sem força? Maria Rosa, meu primeiro amor, se antes sua língua tremia com todo o fel que pode haver neste mundo, hoje suas palavras soam como ecos de sabedoria de uma vida passada, de uma existência finda. Não te ouço porque nos distanciamos: eu, um não-amador, fico sem a não-amada. E você, que se dane nessa sua cama solitária.

Tinha aquela toalha de mesa, lembra?, um pano marrom, meio cinza, que escurecia o desjejum como o café que se mistura à claridade leitosa da manhã. Sua cadeira, do outro lado da mesa, ficava sempre vazia, e é por isso que não vai me fazer falta a sua ausência matinal. O pão era repartido, as guarnições fartas e até mesmo o leito era resfriado, tudo contado para dois, tudo miseravelmente resplandecente sobre um borrão de tristeza velho e marrom, como se fosse um objetivo vindo dos seus sonhos envoltos em lençóis brancos. Agora você dorme como sempre dormiu, nos meus momentos de maior solidão: seus olhos sempre fechados, sua boca sempre quieta, sua mãos, imóveis. E seus pés que se enrolavam na roupa de cama a cada espreguiçada agora caem sobre o pano branco que te levará para onde colocarem seu corpo. Maria Rosa, quanto tempo da sua vida você não perdeu na cama, enquanto o sol a pino já acabava com a manhã!

Agora é tarde, Maria Rosa, para se levantar. Seus olhos não vão se abrir porque seu sono tem agora outro berço, e a rigidez com que suas mãos pairam sobre seu peito não mais indicam a serenidade de uma noite bem descansada. Acabou, você perdeu a sua chance de se sentar comigo à mesa, de compartir do pão e da manteiga, do café e da prataria.

Eu não te amo, Maria Rosa, mas como eu queria que você tivesse levantado mais cedo pelo menos uma vez!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma outra manjedoura

São ecos de uma rabugem que cai mal à nossa idade: percebemos as luzes, a decoração que finge inverno, as mesmas melodias cheias de sinos para em seguida fungar em reprovação, balançar a cabeça repressivamente e fazer algum comentário ácido sobre as pessoas que param o trânsito e observam, maravilhados, os enfeites de Natal. Não digo que a maioria seja assim tão avessa às festividades dessa época do ano, mas estou certo de que é considerável a parcela da população desta cidade que despreza tudo isso, diz que odeia a Natividade e não vê a hora de passar para 2011. Eu, na minha modesta opinião de desterrado paulistano, reprovo, caladamente, a arrogância dos rebeltes natalinos, apesar de definitivamente não fazer parte da massa que chora com o "jingle bells".

Na verdade, penso que o Natal e todo esse fenômeno que vemos por São Paulo nessa época deve ser vivido e analisado como ele verdadeiramente é: uma bela jogada de propaganda. Vende-se muito, gasta-se e se ganha muito dinheiro por aí, o que, capitalistamente, é o grande milagre de Cristo. Para a cidade, é uma maravilha de verdade: quanta gente não vem visitar e sai daqui com uma boa impressão? Quantos não são os cansados que, radiantes, fogem daqui de supetão como se tivessem poucos dias para atravessar a Galiléia? Na equação dos que saem, dos que ficam e dos vêm, temos uma São Paulo mais atraente aos de fora e mais útil aos daqui. Nisso reside o tal do "espírito natalino", que as pessoas pensam que existe, mas que é nada menos do que uma simples mudança de atitude motivada por questões puramente materiais: no Natal, paramos de andar olhando para o nada e com a cabeça em milhões de prazos e compromissos para prestar a atenção à cidade, elogiando-a ou a criticando.

No final das contas, descobri que adoro turistas por aqui! Um amigo, metido a análises, disse que eles fazem bem para o ego. Eu digo apenas que fazem bem à cidade, e isso basta.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Naquela época

Naquela época, estudava Direito, no Largo São Francisco, resignado a ser um profissional liberal, apesar de, no fundo, já querer ser um escritor. O ônibus todo dia o levava de casa até o centro da cidade, em meio aos mendigos, aos automóveis e à falta de educação. As manhãs eram cinzentas como sempre foram naqueles tempos, os jornais não traziam boas notícias, as pessoas adoeciam e se encolerizavam. Mesmo assim, ele era confiante. Pensava no futuro, o passado ainda não havia, o presente até que tinha suas vantagens, e a paisagem lhe inspirava sofisticados devaneios, mesmo sendo um cemitério de edifícios como aquela São Paulo do começo do século.

Nobel para Vargas Llosa

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um erro!

Hoje eu cometi um erro gravíssimo, contrário a todas as regras de conduta em hospital geral neste país.
Passando pelos internados de uma ala qualquer do hospital, entrei em um quarto no fundo do corredor, no qual se alojavam duas mulheres jovens. Não tinham mais de vinte e cinco, estavam ambas de camisola e tinham as cabeças completamente carecas. O diagnóstico de leucemia foi pregado em suas testas, hoje sem franjas, há um mês, e logo em seguida seguiram as duas para a quimioterapia. Não se conheciam, apesar de viverem na mesma cidade interiorana, de serem da mesma faixa etária e de levarem consigo desde o nascimento os fatores de propensão à doença. O que lhes uniu, entretanto, foi aquele quarto branco do SUS, cujas macas lhes servem de leito.

Primeiro, eu fui hoje à tarde no quarto delas para acompanhar uma colega fazer a anamnese e o exame clínico. O bom de ser estudante de medicina é que você ainda não incorporou a distância dos médicos e nem tem poder de impor seus conhecimentos sobre os pacientes, o que te faz mais um visitante desconhecido do que exatamente um profissional da saúde. Por isso, a anamnese da minha amiga fluiu em uma conversa paralela entre as meninas, as mães delas, e mim. Contei-lhes que eu participo do grupo de palhaçoterapia da faculdade, e puvi uma reclamação de que elas ouviam a música nos outros quartos, mas nunca tiveram a oportunidade de ter os músicos em seu quarto. Expliquei que não tínhamos tempo de chegar até o fim do corredor, mas que hoje à noite eu falaria para eles entrarem naquele quarto sem falta.



Pois esse foi meu erro. Descobri, à noite, com um nariz de palhaço e um avental laranja, que  pessoas com leucemia não pode receber muita visitas ao mesmo tempo. Vi-me perante um dilema: aceito essa regra ou mantenho minha promessa? A porta do quarto ficou o dia todo aberta, enfermeiras, médicos e estudantes entraram e saíram de lá a seu bel prazer. Janelas escancaradas, corredor movimentado, acompanhantes que entram e saem, tudo isso são carregadores de germes perigosos a quem está com a imunidade deprimida. Por que o meu grupinho de violão era, então proibido? Admito que pequei e enfiei no quarto uma pessoa com um violão e mais três outros cantores e pedi que só tocassem uma música só e que saíssem do quarto assim que acabassem. As meninas ficaram felizes, agradeceram-me com um sorriso que eu só pude perceber graças às rugas que apareceram nos cantos da máscara que lhes cobria a boca.

Essa minha falta foi imperdoável: escolhi tentar aliviar a tristeza do câncer e manter minha promessa a seguir cegamente uma ordem insensata.

sábado, 7 de agosto de 2010

Inconsciências

Algumas coisas têm passado pela minha cabeça ultimamente, vou tentar fazer uma listinha delas, incompleta e simplificada, claro, porque ninguém consegue pôr tudo o que pensa num papel.


  • Já disse uma vez para mim mesmo que com a internet as pessoas passaram a escrever - e a pensar - só coisas publicáveis, o que diminui consideravelmente a imaginação de todos nós. Quando vivemos num mundo em que podemos nos comunicar com o mundo inteiro tão rapidamente, a privacidade perde a graça, e não nos damos conta do quão importante ela é para nós mesmos. São poucos os que se dignam a escrever e guardar o escrito, preservando um pouco de intimidade, e eu não estou entre eles.
  • A aparência é mais importante do que eu até agora achava que ela era.
  • As pessoas tem papeis determinados nas vidas dos outros, e quanto mais completa a presença de alguém na sua vida, mais envolvido você está com ela. Por isso que tem gente que some e não percebemos, enquanto outros, mesmo que efemeramente, marcam a gente para sempre. Isso me leva a outro questionamento, que eu não sei responder, sobre se as pessoas são ou não substituíveis, mas isso é metafísica demais para um sábado à noite.
Boa noite!

terça-feira, 20 de julho de 2010

A gente se comove

Por que a gente se comove com coisas tão aleatórias?

Imaginem que eu estava voltando pra casa de noite, na Paulista, quando me deparo com um pai jovem, acompanhado de seus filhos. Ele vendia doces caseiros, portava à tiracolo uma bandeja onde apoiava sua mercadoria e com os braços acolhia as duas crianças em seus flancos. O menino abraçava a menina, a menina agradava o pai, e ele equilibrava os quitutes e os carinhos com maestria. Ele me abordou oferecendo os tais doces: três pares de olhos esperavam minha resposta, que foi um corriqueiro não, obrigado. Apenas mais um caso de vendedores ambulantes nesta malfadada cidade, dirá a maioria. Outros, mais sociológicos, dirão que esse é um dos frutos das injusta distribuição e da opressão que os ricos exercem sobre os pobres. Dessa forma, discute-se se os ambulantes devem ou não ser considerados novos hereges ou se devem ter carteira assinada, se podem ser enxotados de volta às suas miseráveis terras ou se poderão tentar conseguir um pouquinho de riqueza nesta capital.

O fato é que o homem e as crianças sorriam. Alheios à insensibilidade e ao desprezo de todos, os três estavam unidos numa mesma digna missão de ganhar o pão para o dia seguinte. Os filhos eram capitaneados pelo pai, que ainda não perdeu seu sotaque natal e que andava aquela via enorme de ponta a ponta, oferecendo a bocas desconhecidas aquilo que suas mãos a ele tão familiares produziram em alguma cozinha distante. Não roubavam, não malediziam a outrem nem choravam suas penas ou festejavam suas glórias: estavam felizes em vender aquilo que vendiam, em nisso reside uma sabedoria dificilmente alcançada.Sorriam, e eu andava tão carrancudo.Aquela era uma família unida que estava hoje à noite pela Avenida, e talvez fosse a única.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O círculo dos danados

Em suas andanças pelos Inferno, Dante mostrou-nos como ele é estruturado, quem ocupa qual nível de danação  e quais os castigos eternos imputados aos pecadores. Vivesse ele neste malfadado século XXI, e teria descrito mais um círculo infernal, o mais baixo de todos, na verdade, aquele cujos ocupantes passarão o resto da eternidade sob os pés do Maléfico. Trata-se da infame estirpe dos sem-carta de motorista.

Esses seres execráveis, a cuja corja eu pertenço desde o momento em que fiz meus dezoito anos, são estranhas pessoas que todos os dias se infligem dores e privações, pessoas cuja presença é motivo de escárnio para o justo populacho que o rodeia e cuja fleuma pedestre serve como sinal de heresia imperdoável. Pastores e santos da religião dos automóveis e auto-escolas pregam nos quatro cantos do mundo contra os sem-carta. Mais de uma bula papal já jogou tais ignóbeis às fogueiras e às masmorras, e há mesmo quem diga que a danação dessa gente já estava prescrita nos antigos profetas e no Ato dos Apóstolos.

Pois continuo sem minha carta. Insisto em depender do transporte público, das caronas e das minhas pernas tão andadas por aí. Não vou aqui discorrer das benesses do caminhar, de seu bem para o físico, para o meio-ambiente e para a pacificação urbana. Nem mesmo vou citar a delícia que é flanar pela cidade numa tarde qualquer. Vou, no lugar disso, mostrar a todos que esses neo-protestantes são pessoas preparadas para o que o inferno lhes reserva: existe maior castigo do que ficar horas num ônibus lotado, num trânsito infernal, numa rua esburacada, num metrô dez menor do que deveria ser?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Lord Jim

...the kind of thing that by devious, unexpected, truly
diabolical ways causes me to run up against men with soft spots, with
hard spots, with hidden plague spots, by Jove! and loosens their tongues
at the sight of me for their infernal confidences; as though, forsooth,
I had no confidences to make to myself, as though--God help me!--I
didn’t have enough confidential information about myself to harrow my
own soul till the end of my appointed time...
so you see I am not particularly fit to be a receptacle of
confessions




Of course there
are men here and there to whom the whole of life is like an after-dinner
hour with a cigar; easy, pleasant, empty, perhaps enlivened by some
fable of strife to be forgotten before the end is told--before the end
is told--even if there happens to be any end to it.

Conrad é o cara no coração das trevas!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Línguas e casarões

As belas escolas de línguas desta cidade! É claro, em se tratando de uma metrópole, a expressão "escola de línguas" pode estar imbuída de inúmeros sentidos. Refiro-me àquelas cujo ensinamento é o de idiomas estrangeiros, oblíquo leitor deste blog tão incipiente. Língua neste caso remete ao som que dela sai e que muda de povo para povo, num curioso caso de metáfora desgastada... Espero assim desfazer qualquer mal entendido lingüístico.

Há o Goethe-Institut, em Pinheiros, num antigo convento de freiras católicas. O pátio interno hoje abriga mesinhas e cadeiras de onde se é servido por um bar bem teutônico, de vasto menu de Wurst e Kraut. Na Frei Caneca, o Istituto Italiano espera os ávidos pelo idioma dantesco no alto de um terreno elevadíssimo, no qual se alcança o topo por meio de uma escada tão grande que o Poeta não galgaria nem mesmo se Beatrice estive lá em cima. Por fim, há a elegante e recém-inaugurada sede da Aliança Francesa perto da Paulista. Lá, num casarão às cercanias dos mármores de outro Dante, o cansado paulistano pode (desde que freqüente algum curso) bebericar um vinho da Borgonha, ou, caso não leve sua própria garrafa, dar um gole num bom e velho café brasileiro.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De 1922 a 2010



É hora de escrever sobre ele.

Muito já foi escrito, homenageado, resenhado e criticado nos últimos dias, não me resta mais do que minha humilde e suja contribuição pessoal a dar por aqui. Posso, também, ser sinceríssimo e dizer que quando li a notícia de sua morte, numa manhã interiorana e escaldante, em que pese a chegada do inverno, meus olhos ficaram levemente umedecidos, e a lágrima só não rolou cara abaixo porque fui sóbrio e prudente, levei um dedo à face e tratei de recompor-me. Estava numa biblioteca - um gosto pelas bibliotecas acompanha-me desde sempre, e ao próprio Saramago sei que elas lhe apeteciam bastante também -, tinha entrado na internet para ver meus tão mal escritos e desimportantes e-mails, e caiu-me uma bomba dessas de supetão na cabeça. Sabia que ele estava mal, sabia que quase morrera por causa disso ou daquilo, mas mesmo a um passo da cova (aonde não chegou, posto que está cremado) escrevera dois livros (A viagem do elefante e Caim) e tinha outro em elaboração. Sabia, também, que ele logo mais morreria, mas mesmo assim fiquei triste pela desagradável surpresa.

O dia, entretanto, chamava-me a inúmeras mundanidades, não se esqueçam de que era cedíssimo na manhã do Brasil. Segui as notícias póstumas com pesar, mas não deixei de estudar Fisiologia (num livro tão mal escrito e inconstante, o contrário daquilo que lemos no Ano da Morte de Ricardo Reis). Sei que tais não são as mais belas palavras para se homenagear um ídolo morto, mas ele mesmo me ensinou a não dar tanta importância ao fato de alguém ter morrido, mas, no lugar disso, a ter noção do peso que ela imprime aos pratos da balança da vida de todos nós.

Que mais há de falar? Conhecia-o bem (do meu jeito, mas bem). Li vários de seus livros como quem devora um banquete, eu sou assim quando encontro a literatura que me interessa. Conhecia-o melhor do que conheço muita gente com quem forçadamente convivo todos os dias. Mas o conhecê-lo bem não é realmente saber quem ele foi, e isso não significa que eu queira lá saber exatamente quem aquele homem foi. Porque para mim e para quase todas as pessoas, pouco me importa se ele era ranzinza ou uma flor, cheiroso ou operário, o importante é saber que ele era ateu e comunista, provocador e um ótimo escritor da nossa língua.



José Saramago morreu, ontem ele cá estava, hoje não está mais. A copa do mundo não parou por isso, o mundo continuou a "a fazer aquilo que ele melhor saber fazer: dar voltas" e seus livros ainda são vendidos em todas as livrarias deste planeta imbecil.

No fundo, não mudou muita coisa.

Obrigado, José Saramago.

terça-feira, 6 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Blogblogs

BlogBlogs.Com.Br

A flor da internet

Global Voices - The world is talking, are you listening?

Acho que o que eu mais gosto nesse mundo virtual é o fato de ele dar voz a todo tipo de pessoa. Isso gera, pelo menos em teoria, uma amplitude tão grande de fontes de informação que dá a possibilidade de pôr em prática tudo aquilo que sempre se imaginou em termos de liberdade de expressão, em democracia de idéias, em divulgação de histórias e acontecimentos. Obviamente, na prática, não é bem assim: governos censuram a internet e blogueiros são presos. Além disso, a internet é uma fábrica de conteúo, e a cada segundo uma quantidade absurda de informação chega ao nosso alcance, fazendo com que nos perdamos no meio de tanta coisa a ser lida, ouvida, vista.

Assim, essa flor que é a rede mundial de computadores tem pétalas sem cor, não é tão colorida e viva quanto parece. Para tentar colorir um pouco mais a internet, há sites como o Global Voices. É um portal que pretende traduzir, reporduzir e tornar acessível muito daquilo importante e interessante produzido em blogs pelo mundo, e que, de outra forma, estariam fadados ou esquecimento ou à pura censura.

Esse tema merece um outro momento de reflexão mais aprofundada. Neste post, quero dar um exemplo da força dessa ferramenta difusora de conteúdo: uma bela seleção de posts do mundo todo que conta histórias de pessoas infectadas pelo HIV. Nele descobrimos seres humanos que sofrem, indignam-se, e questionam sua posição no mundo, ao mesmo tempo que amam, riem e produzem textos de alta sensiblidade. São ingleses, chineses, sulafricanos, todas pessoas anônimas que se nos apresentam a apenas um clique.

Leitura deliciosa e descoberta de uma óima forma de navegar pela internet!

sábado, 3 de julho de 2010

Comentário sobre Aguilar

Flanando pela cidade, deparei-me com Aguilar.

A exposição fazia um retrato cronológico da obra do artista, mostrando quadros, intervanções, performances e vídeos que remontam dos anos sessenta e chegam até hoje, neste estranho ano de 2010. O que lá vi foi a maturação de um artista plástico, a permanência de alguns temas, a renovação de técnicas, e uma sequências de belas produções, como o quadro Sampa, retrato da cidade natal do pintor, ou as homenagens aos duzentos anos de revolução francesa. Apesar dos meus conhecimentos infantis sobre artes plásticas, acompanhei o desfilar de obras, li os textos e tive uma ótima experiência naquela uma hora dentro do CCBB.

Acima de tudo, impressionei-me com uma das instalações, de título inspirador e de beleza sem igual: a criação do tempo e do mundo. É uma obra que nos obrigar a usar antíteses para descrevê-la: clara e escura, reta e torta, sólida e diáfana, imóvel e movimentada. Tal alternância de impressões gera um paradoxo cuja aridez resulta numa composição linda: um palco áspero onde repousam formas envidraçadas de bordas curvas, dentro das quais estão pedras de carvão. No plano de fundo, uma tela branca apresenta grossas linhas escuras (rastros de carbono?) que misturam linhas retas e formas mais abauladas. Tudo isso é iluminado por uma lâmpada amarelada pendurada do teto (o fio elétrico é torto e direito ao mesmo tempo) até bem perto do palco, gerando sombras surrealistas que nascem do vidro e grudam no ambiente arenoso do chão. Ainda por cima, como presente aos mais atentos, essa mesma lâmpada ilumina as pessoas em frente à instalação e suas sombras escuras se projetam na parede branca da sala de exposição, obrigando-nos a nos virar para vermos projetado.

A intromissão repentina do público na obra faz com que nos indentifiquemos com o receptáculo vítreo dentro do qual há um pedaço negro de carvão. O artista genialmente joga na cara de todos nós nossas próprias contradições, nossa arrogância em exigir coerência dos outros e do mundo, este também feito de sombras e formas diáfanas. A instalação, que aparentemente é escanteada para um pequeno palco, na verdade usa a luz para se distanciar de seu ponto de gravidade, alcançando a todos os que param em sua frente. É, portanto, uma experiência global, como somente as sensibilidades mais aguçadas podem criar.

Conclusão precipitada? Pode ser, ainda mais se se admitir que o título da obra serve apenas para abrir o nosso apetite, não para nos conduzir pela obra toda. Foi isso que eu senti, entretanto.

Para quem quiser, site do artista.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um pensamento alheio



Apesar de serem todos iguais, ele achava mais bonito o pôr do sol que via de sua janela do que esse de agora, banhado pelo mar e ao som de passarinhos. É engraçado, pensava, a cidade não é bela, e crepúsculos não têm nada demais, mas quando o céu pintava os prédios com aquele púrpura diáfano, quando o vidro da janela espelhava aquela cor que lentamente se transformava em noite, era mais bonito do que essa bola gigante que desce no horizonte e leva consigo toda a claridade do mundo. Não reparava no espetáculo com freqüencia, e nunca houve um momento em que ele parou de contar moedas para ver tudo aquela banalidade lá de seu apartamento, aos lados outros cubículos como o seu, abaixo e em cima mais pessoas não olhavam através das janelas, à sua frente uma fileira de vidraças de outro prédio que começam laranjas, vão ficando rosa, murcham roxamente e só continuam lá por causa da eletricidade dos postes, no térreo.

Aqui, qual a graça? As cores são as mesmíssimas, as árvores não se vêem mais muito bem, o vento incomoda, está ficando um pouco frio aqui do lado de fora, e ainda o por do sol era exatamente igual a todos os outros que ele já vira. Não, ele não se impressiona com essas coisas, e viveu sempre muito bem assim.

Fonte da foto nesse Flickr

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Inspiração?

Não podemos esperar que a inspiração venha até nós. Ela é uma ave de longas asas coloridas, seu bico é longo e faz muito barulho quando chega: grunhe, pia, o farfalhar de penas ressoa até muito tempo depois de ela alçar voo para longe. Passamos a vida almejando vê-la voar até nossa casa, e sempre lembraremos dela, como uma dádiva que nós damos a nós mesmos. Há - incautos - os que só fazem apoiar os cotovelos no parapeito de janelas imensas, olhar o ceu e esperar por toda a eternidade a chegada da inspiração como os clérigos esperam o paraíso. Quanto tempo já não foi perdido na antesala de musas inspiradoras!

O que nos resta? O trabalho à revelia da inspiração. O ideal é fazer aquilo que precisamos, aquilo que sabemos fazer sem esperar arroubos de genialidade nem epifanias de sabedoria. Qual não deve ser o prazer do ourives que talha, cola, remenda e cria com tanta experiência que imprime em seu trabalho sem perceber o mesmo voo daquele santo pássaro que entra, voa baixo entre o ouro e as formas e depois volta a subir aos ceus. Esse ourives, mestre da arte e da técnica, é um feliz sujeito das benesses da disciplina e da entrega àquilo que faz, ao passo que a inspiração é apenas um acaso, uma dentre as mil possibilidades de trabalho que cada um de nós tem à frente.

A nós, cujas vidas não estão postas em trilhos seguros e que sofremos com nosso desconhecimento do mundo e de nós mesmos, nos resta dividir o tempo com o inútil, com o tédio, com o marasmo e com a indecisão.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Travesti não é bagunça


Ela não se aguentou e foi mais rápida do que a enfermeira sentada num banquinho de madeira, que só teve tempo de balançar as mãos: com um só movimento desesperado agarrou a seringa da bancada, enfiou no próprio braço e correu para trás da porta. Gritou, é claro, mas não tanto quanto se espera de uma pessoa que se fura com uma agulha de forma tão violenta, uma vez que a noite e a profissão já lhe deram pontadas mais doloridas. Quem berrou de verdade foi a enfermeira, e tal, não a voz rouca de um travesti com pouco dinheiro para comprar regularmente os comprimidos de hormônio, trouxe para a salinha de enfermagem alguns médicos atônitos e poucos pacientes curiosos. 

Travesti não é bagunça, ela exclamava como um feirante no domingo, travesti é gente, eu to passando mal, enquanto extraía de si um sangue roxo que era sugado de um braço amarelo, entre uma pelanca e outra, perto de muitos outros furos por ali. Chegara às cinco da manhã para receber as injeções que precisava, queria conversar com aquela médica que a atendia, mas até aquela hora ainda não a haviam chamado para a consulta, como na maioria das vezes em que ia lá.Toda ela tinha dobras e furos, não só no antebraço viciado, mas também no pescoço queimado, na boca vermelha, no queixo via-se uma cicatriz, os olhos cobertos por pálpebras enrugadas e molhadas, o resto da face tinha rugas, furúnculos, herpes, a barba já tinha voltado a crescer, coçava muito.

Novos gritos: a notícia de um travesti armado chegou à fila que espera atendimento, aos doentes enrolados em macas no corredor, à cadeira de rodas desconfortável que aquela velha rangia toda vez em que mexia o corpo. Socorro, ela em AIDS, ela vai furar a gente, eles gritavam lá fora, a enfermeira gritava ainda dentro da sala, os médicos não sabiam o que fazer, uma pessoa riu ao fundo e a travesti – cujo nome era José, Layla, Luana ou Michaela, esse último na Itália -, não é bagunça, sai de perto de mim, já tinha enchido o tubo com sangue contaminado, apontava a agulha na direção de todo avental que via pela frente.

O sangue, o vírus jorravam da arma e respingavam no chão branco, nos papéis amarelos, na pele bronzeada dos médicos e nos óculos da enfermeira. A travesti ria, bagunça, putaria, deixa eu sair daqui, mas também estava assustada, principalmente quando alguém saltou sobre ela para tirar a seringa daquelas mãos masculinas. Sangue e suor se misturavam em seu braço, ela estava quente, nervosa, o furo da agulha ainda pingava, e os cabelos se debatiam ao redor de uma cabeça sem rumo. E em cima daquela maquiagem, daquela pessoa tão precariamente montada com batom e blush, um mundo de graduados, doutores, técnicos, subiu em cima. Já antes em sua vida incontáveis homens cultos e estudados lhe haviam subido em cima, agarrado suas mãos e seus ombros, apanhara de muitos deles, batera em outros tantos, mas nunca sem antes negociar um preço razoável nem sem poder se defender como merecia, e José se viu pela segunda vez humilhada naquele posto de saúde. Arranhou um rosto que chegou perto do seu, mordeu um antebraço peludo envolto ao seu pescoço e resolveu usar sua arma improvisada contra os agressores.
A travesti deu agulhadas em todos os pedaços moles da enfermeira, que eram muitos. Ela tinha se prostrado na frente de Layla, a quem a raiva aflorava os instintos da noite e cujos braços estavam imobilizados pelos médicos, mas os punhos continuavam móveis e com eles, mais uma vez, ela ganhou a vida. As duas estavam de pé, as duas descabeladas e gritavam, puta, gorda, filha da, viado, mas uma delas dominava uma agulha muito melhor que a outra, as escolas onde estudaram eram distintas e os intuitos que propulsionaram a aprendizado também, sendo natural que quem aprende por sobrevivência saiba mais do que quem lêlivros e faz provas. Dez agulhadas, essa foi a conta da perícia, dez estocadas de uma agulha usada injetaram consideráveis milímetros de sangue positivo na enfermeira, sob o olhar medroso de médicos e pacientes, um volume domesticado por infindáveis pares de braços que sufocavam os peitos de silicone.

A gritaria acalmou. As mulheres choravam, os homens bufavam, José estava com lágrimas nos olhos, mas no pescoço tinha todas as veias saltadas, estatelada no chão, indefesa e louca. A junta médica pegou-lhe pelos ombros, e a atou com lençóis novos do almoxarifado, enjaulando-a atrás de uma mesa de prontuários sujos de sangue. Um animal de sexo indefinido, ela deixou-se dominar pelos chicotes dos donos do circo, sob os aplausos vívidos do público. O chão era rosa e branco, a seringa partira-se no meio, o vidro, o plasma, o HIV esparramados na enfermaria, tudo era anti-higiênico, e ainda pingavam gotas escuras das duas mulheres.

Como sempre ocorre nos casos de polícia, a oficialidade foi a última a entrar em cena: um guarda à paisana também esperava para ser consultado, e, herói da corporação, levantou-se de seu lugar, dirigiu-se até a enfermaria – em que pese suas terríveis dores nas costas - e à travesti já contida e já impedida de dizer o que queria imputou o terrível teje preso, o que seria o cúmulo da crueldade não fosse necessário, para o bom andamento da justiça e da sociedade em geral, seguir à risca o devido processo legal. O policial, esse também um José, recebeu apertos de mão dos espectadores esquecidos de suas enfermidades, amparou o choro da enfermeira, vou morrer, AIDS, acabou tudo agora, tenho filhos pequenos, conversou com os médicos aliviados, a psiquiatria precisa dar seu parecer, preparemos o coquetel para a coitada, assim que tirarem o viado daqui a gente continua o antendimento, e deu três batidinhas na sua identificação corporativa antes de voltar a seu lugar: nada como cumprir bem o serviço!



Fonte nessa notícia de jornal, e prestem atenção aos comentários construtivos...


Travesti não é bagunça:

domingo, 20 de junho de 2010

Insônia

Já é hora do chá no Japão.
Na Rússia, almoça-se bem.
Na Itália, as crianças ainda estão na escola.
O Atlântico não mudou nada a essa hora do dia.

É verdade que há japoneses que não gostam de chá
Que existem muitos famintos em Moscou
Que italianos analfabetos estão às pencas por aí.
Mas todos estão vivos e acordados, é um domingo
E o sol brilha mesmo em alto mar.

No meu quarto brasileiro, eu não consigo dormir.
E a noite teima em não acabar. 

sábado, 19 de junho de 2010

Um novo deus e seus mandamentos

Basta uma pequena passeada pelo Google para aprendermos uma máxima moderna, sentença indiscutível perante os gurus da informática: um blog deve ter um assunto delimitado, discorrer sobre nichos específicos e esbanjar imagens e vídeos requintados, além de ser atualizado constantemente. Os temerários que não seguirem tais mandamentos sofrerão as mais árduas das penas da contemporaneidade, que são a vergonhosa baixa visitação de suas páginas virtuais pelo público mundial, o ocaso dos comentários, o sumiço de seu endereço no lodaçal dos mecanismos de procura. Por meio dessa ameaça feita por um deus mais cruel do que o dos católicos tem-se um mundo on-line de portais, homepages, blogs e sites de relacionamento sobre os assuntos mais especializados, o que me dá a impressão de que tal mundo é um grande oceano de besteiras com ilhas de material mais interessante.


Pois eu prefiri mudar-me de planeta, ir para outro menos habitado e mais obscuro, onde o contador de visitas não faria as vezes de mais-valia nem os trackbacks serviriam como glória eterna. Meu blog não é especialista em nada (assim como eu), imagens só vem quando necessárias ou bonitas, vídeos só quando são imprescindíveis, a regularidade de postagem que vá às favas e o tamanho dos texto varia conforme aquilo que quero dizer. E assim, meus caros, achei eu que havia despistado o deus da internet, e que vivia numa comunidade longínqua em que os blogs valem por aquilo que está escrito neles. Vejam só como me enganei: mesmo a anos-luz de distância, este meu blog sofre com a pesada mão que a divindade magnânima baixou sobre minha cabeça e devo sofrer seus castigos de cabeça em pé. Cruelmente, meus textos e seu escritor sofrem ainda com a pouca divulgação e com o descaso dos homens.


Ai de mim! Pensei que poderia viver feliz no meu mundo sem me preocupar com as consequências impostas pelo século XXI. Não pude, é claro, suportar o fardo de mudar tudo sozinho, e agora manejo a difícil tarefa de ser um blogueiro sem público, que é o mais novo tipo de fracassado produzido pela história humana. Não tenho muitos visitantes e são poucos os comentários, mas isso basta para que essa página tenha significado para mim e para quem lê. Esse significado, entretanto, é execrado pelo Google, pelo Youtube e pelo Facebook, os apóstolos dessa nova religião.

Assim continuarei, um Quixote contra um moinho, escrevendo aqui neste pequeno inferno cibernético. Cá estarei sempre, em meio à falta de assunto, à escassez de novidades e à danação dos excluídos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carta a L.



Querida L.

Prometi uma carta a você no ano passado, lembra? Pois eu a escrevi naquela época, atualizei-a mais de uma vez com os acontecimentos conforme os meses passaram e ela continua aqui no meu quarto, em meio a tantos outros papeis menos sentimentais. Está mais do que na hora de você receber a correspondência há tanto esperada, e para isso utilizarei o meu blog para fazer chegar até seus olhos essa carta, que de carta tem muito pouco.

A distância é realmente uma barreira quase insuperável quando se trata de relacionamentos. Há amores que não resistem, e as amizades mais sinceras ficam estranhas porque quem antes você via o tempo todo agora ou virou contato no MSN, versão atual dos velhos "pen friends" ou, como é o nosso caso, se tornou uma pessoa cuja ausência só é superada pela lembrança da época em que a amizade era cotidiana e por um ou outro telefonema esparso no tempo. Com um misto de gosto pelo vintage e repulsa à completa virtualização das nossas relações, combinamos uma troca de cartas à moda antiga, para fazer com que o papel que eu pego com as mãos acabe pousando nas suas, e assim imitaríamos as sessões da mostra de cinema ou as exposições do CCBB que sempre víamos de mãos dadas. Mas como é difícil manter uma promessa dessas! Primeiro que as coisas e os pensamentos acontecem mais rapidamente do que o prazo de entrega dos Correios; segundo, que eu não fazia ideia de como mandar uma carta para você (agora eu já sei que o procedimento é simples, quase rudimentar); terceiro é que estamos nos rendendo a tudo a nossa volta, lentamente, e acabo fazendo desse espaço o meu serviço postal.

Gostei muito de saber que você terminou a faculdade em grande estilo: mandou tudo às favas e partiu para outra, muito melhor e mais diversa. Você sabe como eu adoro esses arroubos de liberdade, e você mais do que ninguém acompanhou aquele tempo tenso em que eu tinha um pé nas Arcadas, outro bem longe delas, e acabei por pular fora antes que me tornasse incorrigível. Da mesma forma que eu me sento aliviado ao ter saído de lá, imagino que você também tenha dado pulos de alegria quando se viu livre. Temos sempre que olhar para trás, para nossos erros ou acertos e para nossos destinos, fruto da nossa capacidade crítica e das nossas escolhas. Fazendo isso, podemos entender melhor o momento em que vivemos e conseguimos enxergar como já temos uma história para contar: você se formou na escola, você fez faculdade, você sofreu, contestou, criticou, você se formou e agora, com o canudo na mão, você se põe novamente no mundo da graduação para buscar outro rumo na sua vida. Olha só que bela história, e esse é apenas o esboço do roteiro! O homem faz a si mesmo, já nos dizia aquele outro que eu naquela época lia como se fosse novidade.

Mas mesmo assim, você se entristece. Entendo isso, e acho bom que você é assim - odeio os otimistas sorridentes. O mundo, a universidade, os homens e a família te botam doida. O Largo São Francisco marca demais a gente, não sai da nossa alma tão facilmente quanto a gente pensava que se livraria dele. Mesmo depois de abandonado, ele ainda reverbera na nossa cabeça, e as coisas que a gente via lá eu acho que nunca vamos esquecer. Então, L., não tente simplesmente apagar esses cinco anos da sua vida. Agora começam outros quatro anos que serão o desenvolvimento daquilo que está sendo cultivado por você desde 2005, e não uma redenção por nossa via sacra. Levante a cabeça, leia mais livros, vá à faculdade, você só tem a ganhar agora que continua por novos caminhos na sua educação. A terapia te está ajudando a superar velhos problemas, a família está sendo um local de conforto e os amigos, mesmo os exilados, aí estão para te mostrar como você é incrível e como você deve se orgulhar de si mesma como nós nos orgulhamos de tê-la nas nossas vidas.

Para mim o caminho das pedras foi menos áspero mas mais sinuoso. Perdi-me algumas vezes, outras vezes estanquei - e admito que teve uma época de arrependimento. Como todo andarilho, ainda procuro as placas de direção e sigo andando. Agora eu vejo que o eu de 23 anos foi moldado pelo de 19, o qual nasceu do de 17, gerado pelo recalcado aluno do Dante de 15 anos.

Realmente, aquele francês tinha razão. Mas mais razão do que ele tem o Vinicius, que canta aquela música que eu cantei mais de uma vez para você, na estação da Sé, esperando o metrô para voltarmos cansados para casa. Lembra? Ainda bem que seguimos essa filosofia que só na aparência é simplista e estamos nos moldando de acordo com aquilo que nos deixa felizes. É melhor ser alegre que ser triste, fazer o quê...

Você me deve uma resenha de um filme que eu nunca vi mas que você amou. Espero por ela, e não importa se vai demorar mais um ano e meio para eu lê-la.

Com um beijo de boa sorte, do seu

Luis.

domingo, 6 de junho de 2010

Entre Deus e o diabo

Chegamos a essa semana em que São Paulo vê o combate ideológico e marqueteiro de dois grupos falsamente antagônicos que exibem sua força por ruas fechadas ao tráfego e ao andar apressado de seus milhões de transeuntes habituais. Com uma diferença de três ou quatro dias, a cidade se vê tomada por dois eventos gigantes: a Caminhada para Jesus e a Parada Gay. O primeiro conclama a suas hordas de fiéis para que se dêem as mãos e marchem até o Ibirapuera em louvor ao Pai, a Seu Filho e também ao Espírito Santo, pois este é frequentemente deixado em terceiro plano pela maioria dos crentes cristãos. Já a outra procissão também prega que as mãos sejam entrelaçadas e que se ame ao próximo como a si mesmo, em que pese o fato de a força a ser então demonstrada é medida por parâmetros mais objetivos.

A minha cidade natal se vê, então, entre a cruz e a espada, espelhando dois dos mais antigos costumes humanos que as pessoas insistem em ver como ultra-modernos: o fanatismo religioso e o desejo homossexual. Os evangélicos louvam a Deus, pedem perdão por seus pecados e pelos dos outros, não sem antes lembrá-los (aos outros, que fique claro) de que o inferno aí está. Por sua vez, os gays fazem o que sempre fizeram, que é o que faz todo o resto da humanidade, e são poucos os puros de coração que não tem conhecimento do que se trata. É agora a hora em que alguém se levanta e diz: "ora, não se esqueça de que a Parada Gay é uma mobilização política, que por meio dela demonstra-se que a comunidade GLTB é unida e almeja uma revolução do pensamento machista brasileiro". Essa mesma pessoa, caso seja da arrogante estirpe dos imparciais, diria também: "os evangélicos, da mesma formam, marcham com intuito religioso, é como se fosse uma grande missa em que as almas serão purificadas e os demônios expulsos dos corpos impuros, o que lhes serve de base para bradar ao povo brasileiro que a salvação se dá pela fé".



Nada mais errado, meu amigo. Os paulistanos sabem muito bem a gênese disso tudo, naquela década de 1990, quando, muito tardiamente, o Brasil engatinhava na luta pelos direitos dos homossexuais e quando as igrejas já se proliferavam por todo canto. Foi nessa época em que um punhado de gays se juntaram e levantaram uma bandeira colorida no MASP, achando que teriam a repercussão que as paradas gays tinham em outros países. Os anos passaram e lentamente a bandeira hasteada começou a chamar a atenção de homossexuais brasileiros de todo o País e de repente São Paulo contava com uma população gay considerável e uma Parada de destaque. Foi aí que o sentido dessa manifestação se esvaziou, apesar de as ruas estarem lotadas: de movimento político, a Parada virou uma festa, e das grandes. Hoje ainda há um mote político por trás do evento e muitos candidatos aproveitam a multidão para prometer o respeito à diversidade. Seria interessante se se fizesse um levantamento de quantos dos participantes da Parada conhecem o lema do evento, que a cada ano é votado por acadêmicos e militantes da causa gay. Duvido que muitos o digam, muito menos com a convicção de que se trata uma luta das mais difíceis.



E quanto à Marcha para Jesus? Essa tem uma história mais fácil de ser resumida. A Parada Gay cresceu e chamou a atenção da mídia e do mundo, o que balançou muitas batinas por aí. Os padres faziam sermões - sementes que eram semeadas na estrada -, os pastores urravam e chacoalhavam a bíblia, e senadores irônicos riam de tudo isso. Foi então que algum iluminado teve a idéia de organizar também um evento só para esse outro público. Nasceu a Parada dos evangélicos, mais recatada, mas de qualquer forma uma parada e há alguns anos temos que ver a disputa para quem ganha em números de participantes e em dinheiro investido.


Brasileiramente - têm alguma dúvida de que São Paulo é mesmo uma cidade bem brasileira? -tudo isso virou um carnaval, e as pessoas saem de casa ou para cantar com o Padre Marcello ou para ouvir Lady Gaga bem alto, no meio da rua. Existem três ou quatro militantes que lá estão em cima de carros de som, gritando palavras de ordem como "abaixo o conservadorismo" ou "glória a Jesus". Enquanto isso, os paulistanos se acostumam com mais um dia de trânsito e ocorrências policiais, só mudam os gritos.

De resto, a política, os valores e o velho embate entre libertinos e puritanos fica por último na ordem dos acontecimentos, já que a massa de pessoas dos dois lados - crentes ou gays - são tanto uma coisa quanto a outra, isto é, somos todos humanamente graves e coloridos, devassos e um pouco santos, crentes em algo e viados de vez em quando.

domingo, 30 de maio de 2010

Um gênio!

O professor era um gênio!

No começo do ano nós chegávamos às sete na faculdade e esperávamos até as dez, que era o momento da entrada do velho e sábio mestre. No calendário estava escrito (conferimos mais de uma vez) que as aulas começariam às sete da manhã em ponto. O ilustre jurista, entretanto, tem lá suas prerrogativas e suas aulas só se iniciavam três horas depois, perante uma platéia de calouros embasbacados com o tamanho imponente da sala e com a pequena estatura do professor. Ele surgia teatralmente na sala, como todo objeto de reverência deve surgir: era uma estátua de algum deus egípcio meio homem meio animal, cuja presença provocava nos mortais duas certezas: a primeira, de que estávamos perto de algo maior do que nós; a segunda, de que por mais que nos esforçássemos, jamais chegaríamos aos sapatos italianos daquele símbolo de jurisprudência.

Não nos pergunte sobre o que eram as aulas pois, como excelentes crentes, apenas nos prostrávamos frente à sabedoria daquele diminuto senhor. Ele divaga e floreava e argumentava e proclamava imputabilidade, tridimensionalidade, subjetividade coletiva. As provas, claro, eram dificílimas, e nisso ele se assemelhava não aos deuses pagãos, que tinham seu quê de humano, mas era bem parecido com o deus do velho testamento. Nosso velho conhecido, esse deus fala certo por palavreado torto e impõe sua mão devastadora sobre seu rebanho. Nós, cordeiros recém paridos pelo vestibular, éramos abatidos durante o semestre pelas duras folhas de papel com o carimbo: departamento de filosofia do direito.Assim como no pentateuco, o professor prevalecia imponente e inabalado. Passou o semestre, passou o ano, e seus livros continuavam sendo leitura obrigatória para todos aqueles jovens e muitos outros que se iniciavam na carreira jurídica.

O velho testamento também tem outros personagens, raros na humanidade mas populosos na Bíblia, que são os profetas. Eles viam o futuro e faziam cânticos e salmos para explicar aos homens os desígnios dos deuses e os caminhos da humanidade. Pois bem: no meio do rebanho existia um escolhido, uma pessoa que viu antes do resto a falta de ânimo e a sensação falsidade em tudo aquilo, o que só se abateria nos outros muitos anos depois. Esse iluminado mostrou aos seus pares a via dolorosa, mas gratificante, de como se livrar de tudo aquilo em tempo de ser acolhido na morada de outras divindades.

Os justos que o ouviram agora estão no reinos dos céus.

sábado, 29 de maio de 2010

O fim de uma pasta azul

Desde o ano de 2004, quando dei adeus a todos e fui para a Europa, mantenho o costume de escrever textos, à mão mesmo, e guardá-los bem longe da vista humana. Muito útil, esse negócio de escrever! Só assim uma pessoa consegue organizar suas ideias e descobrir suas próprias contradições. Além disso, escrevendo você articula o que está na sua cabeça e dá a luz a uma coisa que pode ser um furacão ou uma brisa. Quantas ideias geniais não morreram na hora de saíram ao mundo? Quantas vezes a caneta não emperrou na metade da folha, por simples falta de matéria para gastar a tinta? A crueldade da vida me surpreendeu aos dezesseis anos, quando, debruçado sobre um caderno escolar, com a cabeça no mundo das palavras e com a mão pronta para redigir papeis e papeis, eu simplesmente não sabia por onde - nem sabia se devia! - começar. É nesse impasse que descobrimos se temos ou não algo a dizer.

Ainda não resolvi esse impasse. Talvez por isso mesmo, desde sempre guardo minhas folhas manuscritas numa pasta azul suspensa do mundo material pela bagunça do meu armário. Nela estão contidas muitas de minhas experiências nesses anos cruciais, postas no papel pela necessidade e pela providência: necessidade de escrever e providência de guardá-las sem atormentar nem a mim nem ao mundo. Tenho sempre escrito e na mesma hora guardado na pasta aquilo que produzi. Não nem um arquivo da memória, posto que minhas memórias ainda estão em construção, nem um supositório de sabedoria, já que não há nada mais errôneo do que pedir verdade universais de uma pessoa de vinte anos. Era apenas minha pasta azul, e isso basta.

Pois eis que meu exílio caipira me privou de acompanhar o zelo dos outros com as minhas coisas (minha pouca organização contribuiu para isso, é claro) e percebi tragicamente que a pasta azul sumiu do seu único ponto de contato com o mundo exterior, que era o meu armário. Não estava mais lá quando voltei para casa, e as buscas por ela resultaram infrutíferas. Não, não me sinto privado de mim mesmo com o sumiço da pasta azul. O que sinto é pena por não poder ler de novo as coisas antigas e vividas, aqueles papeis um pouquinho amarelados que contam muito do que fui e do que serei. O fato é que não preciso mais desses textos para me guiar: o pouco que sei do mundo não está fora da minha cabeça, os textos antigos são mais nostálgicos do que formadores, e o conteúdo ou não mais me diz respeito, ou já está incorporado ao meu modo de viver.

Prefiro não pensar que ela está no lixo ou na fogueira, ao contrário, prefiro achar que a pasta deixou de ter razão de existir, percebeu isso e teve um gesto que deveria ser seguido pelos seres humanos, que foi o de saber sair de cena quando não era mais necessária.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A formação de um velho

O que um velho precisa para ser um? Não acho que rancor seja uma característica deles, nem a solidão, como muitas vezes retrata-se a velhice. Para pintar um quadro da velhice, é preciso molhar o pincel com tons de memória, de reflexão, de paciência - qualidades que podem ser imputadas a qualquer ser humano de qualquer idade, mas cuja associação com uma suposta sabedoria idosa é uma constante na nossa ideação de velhos. Temos assim um belo retrato de um senhor de olhar profundo e enigmático, que encerra em si boa parte das respostas que este mundo exige dos mais jovens. Que crueldade se esse quadro fosse real! "O mundo faz com que respondamos a ele quando temos dezesseis, mas a chave de tudo só nos será entregue aos sessenta anos", é o que pensamos.

Na realidade, se há algo comum a todos os velhos é a experiência, o passado robusto, glorioso ou não, que lhes antecede qualquer ação ou fala presentes, e nisso reside sua especificidade e maravilha. Ser idoso por si só não significa nada além de ter muita experiência, e mesmo ela pode ser proveitosa ou não, boa ou ruim, construtiva ou destrutiva. Para alguns a idade traz sabedoria; para outros, só traz rugas. Dessa forma, somente em algumas pessoas mais velhas encontramos verdadeiras respostas para o mundo, ou algum tipo de sabedoria melancólica. Na maioria dos ilustres senhores de idade, vemos pessoas com as mesmas prerrogativas das demais, excetuando-se um ou outro conselho que pode ser valioso (e que - vá lá - são o embrião de uma sabedoria que poderia ter sido muito maior).

Rugas e ares de memória e saudade são elementos externos suficientes para desenharmos um honrado senhor na nossa frente. Olhando-o para dentro, vemos uma pessoa como todas as outras, que também sofre, também tem orgulho e também está inserida nesse mundo, mesmo que de forma peculiar.



"Os anos que a mim me doem nas costas e nos joelhos levaram-me a dois destinos diferentes, nos quais descanso com a mesma mansidão de sempre: ora sou um muro, ora sou um abismo. Sempre serei, portanto, um final."

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Esboço de prólogo do monólogo?



Não esperem os senhores por grandes verdades universais: aquilo que é produto das horas de descanso jamais atingirá as glórias da imortalidade. As páginas que seguem a este texto introdutório relatam casos e fatos de uma vida anônima e observadora – como todas as vidas devem ser.  Nelas há paciência, não aventuras. Há jardins, nenhuma floresta. Tudo nestas memórias tem o cheiro das rosas que eu mesmo plantei e cultivei durante anos nos canteiros da minha rua. Existe também – os poucos leitores talvez não o percebam – a transparência do orvalho que insiste em molhar as pétalas de todas as flores, minhas ou não, apesar do calor que torra nossas cabeças. Pois em meio a essa lucidez cristalina é que cresceram as idéias que permeiam essas linhas. O Livro do interior? Nome pomposo e incerto demais para as minhas pouco compromissadas digressões de fim de tarde. Eu diria que é o Livro da Rua Ondina. Mesmo assim, os conhecedores dessa cidade distante sabem que a rua que vai da rodoviária à rodovia nada se parece com a minha quadra. Este é, então, o Livro de João. Nada bíblico, entretanto.

Este livro, que leva meu nome, foi gestado aos poucos, no compasso de uma velhice sozinha mas auto-suficiente. Ele cresceu conforme encurtavam meus passos e me serve de bengala, o que não quer dizer que ele possa se sustentar sozinho. Como tantos outros textos antes dele, corria o risco de ser um natimorto, abandonado antes mesmo que qualquer pessoa lhe pusesse os olhos em cima. Seus antecessores hoje ocupam o interior de umas pastas azuis guardadas em cima de meu armário, mas estas memórias que aqui vão redigidas sintetizam todas as outras, ficcionais ou não. As pastas azuis não estão reviradas nem dispensadas da vida útil como pode sugerir o quadro pintado em tons pastéis de quatro ou cinco arquivos em cima de um guarda-roupa, com a fraca luz do fim tarde iluminando parte dela, à frente de uma parede escura pouco nítida. O artista que o pintou, além de terríveis técnica e dom, não soube entender o que via. Quis – pobre dele! – retratar a velhice, a solidão, a perecibilidade das palavras escritas, mas nunca lidas. O que ele via não eram resquícios da minha velhice medíocre: eram apenas papéis, muito bem organizados por data, os mais velhos embaixo dos mais novos, pouco consultados, admito, mas expostos a mim mesmo como um cemitério de idéias com grandes e chamativas lápides.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Para quem a vida é fácil

O que esperar de um filme que fez estardalhaço ao ser lançado, que foi dirigido por um diretor conhecido, que tem um elenco global e que, ainda por cima, trata de dois temas dos mais espinhosos no nossa modernidade que são o incesto e a homossexualidade? Conflito, muito conflito. Entretanto, contrariando todas as expectativas, nada disso encontra o espectador de Do começo ao fim, filme brasileiro de 2009 que eu só vi semana passada,  numa sessão especial aqui em Rio Preto.


O enredo é facilmente divido em duas partes: uma antes e outra depois da morte da mãe dos irmãos protagonistas. A mãe, Júlia Lemmertz, é talvez a melhor personagem de todo o filme porque é a única a sofrer, a se questionar e a investigar com seu olhar a convivência de seus dois filhos, antevendo o futuro relacionamento amoroso entre eles. Ela começa a estranhar as carícias e as brincadeira dos irmãos, e nesse estranhamento reside o ponto alto do filme, que é a atuação silenciosa da mãe perante uma situação que é das mais perturbadoras para nossa cultura. Enquanto as filhos pequenos se beijam na bochecha e brincam de médico, vemos a mãe chorar olhando pela janela e ouvir conselhos do ex-marido, e em nenhum momento a questão do incesto é escancarada. Ela não comenta nem briga com ninguém, mas sua imagem deteriora-se, fumando cigarro e sentada à mesa no jardim da casa em que mora. Só uma vez tem-se um diálogo que vale a pena no filme, dela com o filho mais velho, que começa com a velha e enigmática frase "não tem nada que você queira me contar?" e que termina tao inconclusivo como começou. Ficamos sem saber o motivo de se sofrimento, não sabemos sequer se era por causa da homossexulidade, do incesto ou dos dois.

A partir desse momento, o filme degringola. Afastam-se todas as fontes de conflito que poderiam preocupar os protagonistas: anos depois, a mãe morre, assim como o pai do mais velho e o pai do mais novo muda-se de casa. Os irmãos já estão mais velhos, envolvidos amorosa e fogosamente, e vivem num mundo aparte, num idílio impensável para um casal incestuoso. São felizes, ricos, bonitos e jovens, não tem muito contato com o resto do mundo nem passam por nenhum questionamento sobre sua condição. Dessa forma, Do começo ao fim criou dois personagens estranhíssimos: são homossexuais mas não passaram por nenhum momento de repressão; têm um relacionamento incestuoso mas não entram em conflito com o mundo à sua volta. A grande questão proposta para o futuro do relacionamento dos dois é a viagem do mais novo à Rússia para treinar natação. A distância provoca crises de ciúmes e saudades, sanadas com um chorinho e juras de amor eterno; e o filme termina com a visita do mais velho ao irmão em Moscou, com um abraço e um beijo digno da novela das oito.

Se é verdade que de tudo fica um pouco, como diria Drummond, de Do começo ao fim fica muito pouco. Talvez só a constatação universal, nossa velha conhecida, de que a mãe sempre sabe...

domingo, 25 de abril de 2010

O mapa de hoje

No dia internacional da luta contra a malária, os Médicos sem Fronteiras fizeram um mapa de suas atividades relacionadas ao tratamento e prevenção da malária:



Na IFMSA, existe uma campanha internacional de luta contra a malária, mas eu não sei como ela é posta em prática e acho que ela não é realizada no Brasil... ainda! Quem sabe no futuro!

sábado, 24 de abril de 2010

Sonata ao Luar

Sexta à noite e eu estou cansado e pensativo, duas coisas que impedem com que eu durma bem. Como já vi que a madrugada será longa (Koeppen, lembraças de Belém e pensamentos avulsos me aguardam), posto aqui a trilha sonora de tudo isso.

A história lendária dessa sonata é muito bonita. Dizem que Beethoven a compôs para traduzir a uma cega o que seria o luar. É fácil perceber que cegos somos todos nós, que não conseguimos ver sozinhos tanta música na noite, e que precisamos de uma composição do século XVIII para fazer com que essa música chegue aos nossos ouvidos.

domingo, 11 de abril de 2010

Candidatos no Twitter

Os maiores candidatos à presidência da República deste ano têm uma conta no Twitter. Acho isso ótimo! É uma forma de eles manterem contato com a população, de expôr ideias e de divulgar sua campanha para seus seguidores. E o Twitter serve, no caso dos eleitores, como um instrumento para cobrar seus candidatos, atualizar-se sobre suas propostas e discussões, além de permitir um tipo de conhecimento dos presidenciáveis que vai além daquele que os brasileiros sempre tiveram deles: pode-se descobrir os textos que escreveram durante a vida, os discursos que fizeram ou, por exemplo, a agenda detalhada daqueles que receberão nossos votos em 2010.





O Serra está há mais tempo por lá. Seu perfil é @JoseSerra_ e é um twitteiro voraz, escrevendo durante toda a madrugada. Insiste em dizer não tem ajuda de auxiliares na hora de twittar. Acreditamos?











A Dilma entrou há poucos dias por lá! @Dilmabr ainda não teve tempo de mostrar se vai ou não ser fiel ao microblog. Pelo menos ela admite que tem ajuda de outras pessoas para atualizar seus sites...






Marina Silva! @silva_marina tem, na minha opinião, os melhores tweets. Posta links para seu blog, expõe suas principais plataformas e divulga sua agenda. Que mais podemos esperar de um político sério online? Só uma falta: ela, ou acessores, não interage com o público, limitando um pouco a utilidade do microblog...











Ciro Gomes. @cirofgomes. Só para constar.




Não acho que o Twitter vá influenciar decisivamente a eleição. Além de uma maioria eleitoral excluída digitalmente, o ambiente viciado que é a política partidária vai acabar por escurecer boa parte da beleza que é acompanhar o que o candidato fala, em tempo real, no meio das pessoas que você está seguindo. Apesar do muito que o Twitter tem para oferecer como uma ferramenta a mais do processo político de uma democracia (política) como o Brasil, ainda não estamos preparados para ver candidatos e eleitores nivelados e falando de igual para igual por um dos sites mais populares do mundo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Minha nova profissão

Um dos motivos de eu ter largado a faculdade de direito e a de jornalismo foi a minha convicção - que a pouca experiência só veio a corroborar - no trabalho do profissional da saúde como verdadeiro transformador da realidade em que vive. Para além de qualquer viés político de que essa frase possa ser revestida, sempre foi muito claro para mim que sem uma adequada estrutura de saúde pública não se pode falar em democracia, direitos humanos ou paz e que a medicina tem os meios necessários para melhorar a vida de todas as pessoas.

A primeira afirmação é a mais simples de expor. Saúde pública é uma questão delicada e que nos reserva infindáveis lucubrações teóricas. No entanto, sua aplicação e sua qualidade como serviço público podem ser facilmente observáveis em qualquer lugar do mundo: todas as pessoas, mesmo as mais ricas, dependem do sistema público de saúde para sobreviver nas cidades e nos campos e, sempre que o poder público descuida desse aspecto fundamental da estrutura de um país, pode-se esperar um enfraquecimento da rede social que embasa a organização estatal que deveria prover uma saúde pública eficiente.

Uma população doente, sem saneamento básico, sem informações essenciais para a manutenção de seus níveis de saúde, não é uma população em condições de igualdade para, por exemplo, viver em um ambiente democrático, eleger seus representantes e esperar por soluções racionais e discutidas para seus problemas mais prementes. No lugar disso, um povo alienado pelo descaso com sua saúde não consegue ver a importância do seu direito a voto e à representação, nem sabe que pode, por meio da democracia, exigir melhorias para sua própria saúde. Dessa forma, a medicina está, para mim, no cerne da questão democrática.

Em função disso, fica fácil perceber como a medicina pode contribuir para melhorar a vida de todos. Tanto em casos óbvios como o dos doentes no hospital, quanto em casos menos aparentes, no que tange a tal da promoção de saúde, a medicina representa o primeiro (e fundamental) passo em direção à cura, ao empoderamento (o velho conceito de Paulo Freire...), ao conhecimento daquilo que virá a ser a sua cidadania.

Cada vez mais tenho certeza de que fiz bem em mudar de profissão!

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Um tipo de fascinação

Não é de hoje meu fascínio por lugares estrangeiros. Desde pequeno pego-me imaginando minha vida em outras cidades, outros costumes, como um cidadão do mundo precoce que, mesmo sem raramente sair de sua cidade natal, sentia-se capaz de viver com desenvoltura fora de seu mundo conhecido. A primeira experiência desse tipo aconteuceu quando tinha apenas dezesseis anos e fui fazer um ano de intercâmbio na Alemanha. Essa experiência única reverbera em mim até hoje, passados seis anos da minha viagem de ida.

Dentro da miríade de assuntos que aquele ano europeu pode suscitar, quero falar de um que me passou despercebido por muito tempo, mas que agora está evidente. Trata-se da fascinação por duas cidades quase míticas para mim, uma que eu conheci e outra que ainda não.

A primeira delas é Londres. Muitos anos antes de ir para a Alemanha, tinha, dentro do meu armário, um mapa da área central da capital inglesa. O manuseio constante daquele papel fez com que ele se desfizesse em alguns pedaços gastos e percorridos com os olhos. Era uma época anterior ao Google Maps ou ao Google Earth, e o exame daquele mapa era o mais próximo de Londres a que eu podia chegar naquela adolescência nascente. De tal modo me interessava pelo lugar que, em 2004, quando tive a oportunidade de visitá-lo durante uma semana, senti-me como um emperdenido englishman, munido de guarda-chuva preto e moletom vermelho.

Foi uma belíssima viagem inserida no meio da grande viagem germânica que eu fazia. Mas o fato é que - eis o motivo deste texto - a fascinação por Londres passou, como se eu já tivesse vivido tudo o que poderia vive lá. Obviamente não o vivi, e uma única vida humana seria pouca para conhecer tudo de Londres, mas não sinto mais aquela vontade premente de passear pelo Tâmisa ou pelo Regent's Park.



No lugar da velha capital britânica, agora é Nova York que me atrai profundamente. Tudo bem que cresci e não analiso os mapas com a mesma ânsia viajante da criança do século passado, mas ainda existe em mim aquele mesma inquietação de outrora, fonte de sonhos e esperanças. Sempre admiti a todos os meus brios de cabeça-de-vento, do tipo que não tem os pés no chão e nunca está onde realmente está. Se estou fazendo faculdade no interior, se mal tenho dinheiro para ir no cinema, fico pensando - ai de mim - nos espetáulos off-Broadway e na First Aveue, esquina com a E 42 Street (sabem o que fica lá?).

De tudo isso, ficam algumas coisas, como de tudo. Primeiro, a constatação de que as pessoas sempre querem aquilo que não têm e via de regra desprezam tudo o que já tiveram. E a resignação de saber que, nesses passos curtos, vai demorar para eu conhecer todos os lugares que tenho vontade.

domingo, 21 de março de 2010

A tal da saúde mental

Mais uma vez a questão da saúde mental. Agora volto a ela graças a duas notícias vindas pela internet. Uma delas, do Chile, relata a chegada de equipes de psicólogos e psiquiatras dos Médicos sem Fronteiras a regiões afetadas pelo recente terremoto. No pós-crise humanitária, quando as pessoas já pararam de morrer às centenas, sobra sempre muita gente sem abrigo, assustada, doente. Esse caos é o lodaçal perfeito para o desenvolvimento de inúmeros problemas psicológicos/psiquiátricos nos sobreviventes, o que vai desde crises pânico até alguns sinais mais catatônicos. Além disso, as pessoas, que não tem como saber que rumo dar às suas vidas, precisam do apoio de profissionais preparados para ajudar-lhes a superar a adversidade.

A outra notícia está bem perto de nós: no Pinel, em São Paulo, uma menina está esquecida pela família há quatro anos. Essa história poderia dar um belo dramalhão, e foi o que a jornalista da Folha fez com o caso (leia aqui). À parte da dramatização mal feita, tem-se aí um exemplo de como a estrutura em saúde mental no Brasil é precária e ineficiente. Na capital, os hospitais estão lotados, os CAPS são poucos e o número de pessoas que procuram ajuda psiquiátrica só aumenta. No interior, a falta de profissionais é crônica e o serviço é desestruturado (na região de São José do Rio Preto - mais de cem cidades em torno - só existe um PS com alguns leitos psiquiátricos, e só um psiquiatra). No resto do país, a saúde mental apresenta o mesmo terrível descaso.

Dessa situação, algumas lições. A mais importante para mim é a de que a medicina muda a vida das pessoas, em todos os lugares e em todas as situações. Além disso, percebo com isso que não existe saúde sem saúde mental (não acho que chavões devam ser evitados se eles forem corretos). E, por fim, passo a passo, vou definindo o que farei com a minha profissão. Será que o futuro me reserva uma vida internacionalista?

sábado, 13 de março de 2010

No pronto socorro

Assim que cheguei no pronto socorro central, fui conduzido por um funcionário até a ala psiquiátrica, no fim do corredor. Como sempre acontece com a estrutura de saúde mental, existe um certo distanciamento entre a área de trabalho dos outros médicos e a parte destinada aos psiquiatras. Assim, para chegar àquele fim de corredor, tive que passar por diversas outras portas com muitos doentes (está tendo uma epidemia de dengue na cidade) e sem nenhum ar condicionado.

A psiquiatra de plantão mostrou-me os doentes: esquizofrenia catatônica, abuso de substâncias, etilismo, transtorno bipolar, depressão, ansiedade, CID, DSM-IV-TR. As macas balançavam com o tremor da abstinência de álcool, e a mãe do viciado em drogas tinha medo de voltar para casa com o filho, que apanhou da polícia. Uma mulher não conseguia parar de chorar, não tinha paciencia para aturar a vida familiar, mas implorava por uma dispensa do trabalho.

A conduta psiquiátrica é muito racional, mas resolve muito pouco. Quê fazer com um alcólatra que, depois de ameaçar matar o pai, chega ao pronto-socorro querendo parar de beber? Passa-se um remédio para controlar os impulsos agressivos e sugere-se a triagem numa comunidade terapêutica. Feito isso, ele volta para casa. A internação psiquiátrica não funcionaria porque, para etilistas, ela é curta e só serve para que eles suportem os primeiros dias de abstinência. Além disso, todos os hospitais psiquiátricos estão lotados, e a preferência é para quem tem transtornos mentais mais graves.

A emergência psiquiátrica, então, tem um papel ao mesmo tempo emergencial e protelatório. Doentes mentais não se curam em alguns minutos e de acordo com protocolos, como acontece nas outras áreas da medicina. Quem precisa de um psiquiatra no pronto-socorro não receberá a cura, mas será estabilizado - para utilizar um termo médico consagrado - e voltará para casa com um remedinho e com uma guia para procurar um outro psiquiatra no ambulatório, que o acompanhará por mais tempo.

Mas e quem precisa ser internado, quem não pode voltar para a rua? Esses, como a senhora esquizofrênica, ficam na maca, tomando soro e sendo observados pelos psiquiatras e enfermeiros, à espera de uma vaga em um hospital psiquiátrico. Um dia, ela vai conseguir a chance de ser transferida, mas o modo como ela será tratada, e as chances de cura no leito de internação é outro assunto, que fica para outro dia...

terça-feira, 9 de março de 2010

Os olhos que o diabo lhe deu

O maravilhoso mundo dos blogs traz muitas surpresas. A de hoje é um texto de um ótimo escritor brasileiro, Daniel Piza, em sua página: Machado, não Casmurro (2) | Daniel Piza .

Ele traça, nesse post, um panorama geral de um dos maiores livros da literatura, onde aparece o tal tenor italiano, que, depois de muito Chianti, sempre repetia que a vida é uma ópera. Trata-se de um excerto de um livro maior, sobre Machado, que Piza publicou em seu site. Para um post, é longo; para um trecho de uma obra, é curto. De toda forma, é leitura importante para quem é leigo como eu, ou que acha que tudo se trata de uma mera questão de adultério.

Machado é o homem das metáforas, e era homem que se deliciava com o fascínio causado pelos olhares das pessoas - de preferências os bonitos. Eu admito que também sou assim, e tenho a caracterização de Capitu principalmente pelos olhos como uma das maiores descobertas (para mim, quando li) que conheço. Todos sabem aquela história dos "olhos de ressaca". Mas nem todos imaginam que quem deu aqueles olhos à Capitu foi o próprio diabo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia internacional da mulher


Nesse dia internacional da mulher, o comitê local da IFMSA na minha faculdade promoveu uma campanha muito simples de conscientização de um dos maiores perigos para a saúde feminina: o câncer de mama. Aproveitamos a data para distribuir panfletos didáticos e explicar às mulheres que abordamos nas ruas perto do Hospital sobre o auto-exame (bem detalhado no papel que entregamos a elas). Foi uma intervenção rápida e eficaz, que cumpriu seu papel como extensão universitária e pôs em prática o objetivo da instituição do 8 de Março como dia internacional da mulher, que faz cem anos hoje.

Para mim, a existência de datas comemorativas como essas têm uma função prática muito grande, ao contrário do que muitos vociferam. São dias escolhidos por algum motivo histórico, cujo nome está sempre ligado a alguma luta social ou a algum problema globalmente relevante. Assim, promovem-se, em grande escala, atividades que visam a pôr em pauta tais assuntos, como o que fizemos hoje à tarde e como muitas outras pessoas realizaram no mundo todo. O dia internacional da mulher, tem, portanto, o mérito de ter colocado em evidência, mesmo que só hoje, a questão da desigualdade de gênero, da atenção à saúde feminina, do machismo, da submissão das mulheres.

O que mais se ouve é: "o dia 9 de Março não será mais o dia internacional da mulher e todos esses pontos levantados por você serão esquecidos, e só voltarão a ser comentados no ano que vem". Não concordo com isso. Amanhã, quem estuda as questões de gênero, quem sofre com o machismo e quem luta contra a alienação da mulher continuará lembrando todas essas questões.

Por fim, um beijo a todas minhas amigas, minhas irmãs, à minha mãe e à minha avó!

Queria por aqui aquela música do John Lennon, Woman is the nigger of the world, mas ficaria brega...