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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carta a L.



Querida L.

Prometi uma carta a você no ano passado, lembra? Pois eu a escrevi naquela época, atualizei-a mais de uma vez com os acontecimentos conforme os meses passaram e ela continua aqui no meu quarto, em meio a tantos outros papeis menos sentimentais. Está mais do que na hora de você receber a correspondência há tanto esperada, e para isso utilizarei o meu blog para fazer chegar até seus olhos essa carta, que de carta tem muito pouco.

A distância é realmente uma barreira quase insuperável quando se trata de relacionamentos. Há amores que não resistem, e as amizades mais sinceras ficam estranhas porque quem antes você via o tempo todo agora ou virou contato no MSN, versão atual dos velhos "pen friends" ou, como é o nosso caso, se tornou uma pessoa cuja ausência só é superada pela lembrança da época em que a amizade era cotidiana e por um ou outro telefonema esparso no tempo. Com um misto de gosto pelo vintage e repulsa à completa virtualização das nossas relações, combinamos uma troca de cartas à moda antiga, para fazer com que o papel que eu pego com as mãos acabe pousando nas suas, e assim imitaríamos as sessões da mostra de cinema ou as exposições do CCBB que sempre víamos de mãos dadas. Mas como é difícil manter uma promessa dessas! Primeiro que as coisas e os pensamentos acontecem mais rapidamente do que o prazo de entrega dos Correios; segundo, que eu não fazia ideia de como mandar uma carta para você (agora eu já sei que o procedimento é simples, quase rudimentar); terceiro é que estamos nos rendendo a tudo a nossa volta, lentamente, e acabo fazendo desse espaço o meu serviço postal.

Gostei muito de saber que você terminou a faculdade em grande estilo: mandou tudo às favas e partiu para outra, muito melhor e mais diversa. Você sabe como eu adoro esses arroubos de liberdade, e você mais do que ninguém acompanhou aquele tempo tenso em que eu tinha um pé nas Arcadas, outro bem longe delas, e acabei por pular fora antes que me tornasse incorrigível. Da mesma forma que eu me sento aliviado ao ter saído de lá, imagino que você também tenha dado pulos de alegria quando se viu livre. Temos sempre que olhar para trás, para nossos erros ou acertos e para nossos destinos, fruto da nossa capacidade crítica e das nossas escolhas. Fazendo isso, podemos entender melhor o momento em que vivemos e conseguimos enxergar como já temos uma história para contar: você se formou na escola, você fez faculdade, você sofreu, contestou, criticou, você se formou e agora, com o canudo na mão, você se põe novamente no mundo da graduação para buscar outro rumo na sua vida. Olha só que bela história, e esse é apenas o esboço do roteiro! O homem faz a si mesmo, já nos dizia aquele outro que eu naquela época lia como se fosse novidade.

Mas mesmo assim, você se entristece. Entendo isso, e acho bom que você é assim - odeio os otimistas sorridentes. O mundo, a universidade, os homens e a família te botam doida. O Largo São Francisco marca demais a gente, não sai da nossa alma tão facilmente quanto a gente pensava que se livraria dele. Mesmo depois de abandonado, ele ainda reverbera na nossa cabeça, e as coisas que a gente via lá eu acho que nunca vamos esquecer. Então, L., não tente simplesmente apagar esses cinco anos da sua vida. Agora começam outros quatro anos que serão o desenvolvimento daquilo que está sendo cultivado por você desde 2005, e não uma redenção por nossa via sacra. Levante a cabeça, leia mais livros, vá à faculdade, você só tem a ganhar agora que continua por novos caminhos na sua educação. A terapia te está ajudando a superar velhos problemas, a família está sendo um local de conforto e os amigos, mesmo os exilados, aí estão para te mostrar como você é incrível e como você deve se orgulhar de si mesma como nós nos orgulhamos de tê-la nas nossas vidas.

Para mim o caminho das pedras foi menos áspero mas mais sinuoso. Perdi-me algumas vezes, outras vezes estanquei - e admito que teve uma época de arrependimento. Como todo andarilho, ainda procuro as placas de direção e sigo andando. Agora eu vejo que o eu de 23 anos foi moldado pelo de 19, o qual nasceu do de 17, gerado pelo recalcado aluno do Dante de 15 anos.

Realmente, aquele francês tinha razão. Mas mais razão do que ele tem o Vinicius, que canta aquela música que eu cantei mais de uma vez para você, na estação da Sé, esperando o metrô para voltarmos cansados para casa. Lembra? Ainda bem que seguimos essa filosofia que só na aparência é simplista e estamos nos moldando de acordo com aquilo que nos deixa felizes. É melhor ser alegre que ser triste, fazer o quê...

Você me deve uma resenha de um filme que eu nunca vi mas que você amou. Espero por ela, e não importa se vai demorar mais um ano e meio para eu lê-la.

Com um beijo de boa sorte, do seu

Luis.

2 comentários:

  1. quando acabei de ler, quis me separar de vc só pra ganhar uma carta dessas um dia :)

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  2. hehe ju, não pense que distância é garantia de ganhar cartinha (experiência própria). mas essa foi linda =)

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