A minha cidade natal se vê, então, entre a cruz e a espada, espelhando dois dos mais antigos costumes humanos que as pessoas insistem em ver como ultra-modernos: o fanatismo religioso e o desejo homossexual. Os evangélicos louvam a Deus, pedem perdão por seus pecados e pelos dos outros, não sem antes lembrá-los (aos outros, que fique claro) de que o inferno aí está. Por sua vez, os gays fazem o que sempre fizeram, que é o que faz todo o resto da humanidade, e são poucos os puros de coração que não tem conhecimento do que se trata. É agora a hora em que alguém se levanta e diz: "ora, não se esqueça de que a Parada Gay é uma mobilização política, que por meio dela demonstra-se que a comunidade GLTB é unida e almeja uma revolução do pensamento machista brasileiro". Essa mesma pessoa, caso seja da arrogante estirpe dos imparciais, diria também: "os evangélicos, da mesma formam, marcham com intuito religioso, é como se fosse uma grande missa em que as almas serão purificadas e os demônios expulsos dos corpos impuros, o que lhes serve de base para bradar ao povo brasileiro que a salvação se dá pela fé".
Nada mais errado, meu amigo. Os paulistanos sabem muito bem a gênese disso tudo, naquela década de 1990, quando, muito tardiamente, o Brasil engatinhava na luta pelos direitos dos homossexuais e quando as igrejas já se proliferavam por todo canto. Foi nessa época em que um punhado de gays se juntaram e levantaram uma bandeira colorida no MASP, achando que teriam a repercussão que as paradas gays tinham em outros países. Os anos passaram e lentamente a bandeira hasteada começou a chamar a atenção de homossexuais brasileiros de todo o País e de repente São Paulo contava com uma população gay considerável e uma Parada de destaque. Foi aí que o sentido dessa manifestação se esvaziou, apesar de as ruas estarem lotadas: de movimento político, a Parada virou uma festa, e das grandes. Hoje ainda há um mote político por trás do evento e muitos candidatos aproveitam a multidão para prometer o respeito à diversidade. Seria interessante se se fizesse um levantamento de quantos dos participantes da Parada conhecem o lema do evento, que a cada ano é votado por acadêmicos e militantes da causa gay. Duvido que muitos o digam, muito menos com a convicção de que se trata uma luta das mais difíceis.


Brasileiramente - têm alguma dúvida de que São Paulo é mesmo uma cidade bem brasileira? -tudo isso virou um carnaval, e as pessoas saem de casa ou para cantar com o Padre Marcello ou para ouvir Lady Gaga bem alto, no meio da rua. Existem três ou quatro militantes que lá estão em cima de carros de som, gritando palavras de ordem como "abaixo o conservadorismo" ou "glória a Jesus". Enquanto isso, os paulistanos se acostumam com mais um dia de trânsito e ocorrências policiais, só mudam os gritos.
De resto, a política, os valores e o velho embate entre libertinos e puritanos fica por último na ordem dos acontecimentos, já que a massa de pessoas dos dois lados - crentes ou gays - são tanto uma coisa quanto a outra, isto é, somos todos humanamente graves e coloridos, devassos e um pouco santos, crentes em algo e viados de vez em quando.
"O meu partido é um coração partido"
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