Passando pelos internados de uma ala qualquer do hospital, entrei em um quarto no fundo do corredor, no qual se alojavam duas mulheres jovens. Não tinham mais de vinte e cinco, estavam ambas de camisola e tinham as cabeças completamente carecas. O diagnóstico de leucemia foi pregado em suas testas, hoje sem franjas, há um mês, e logo em seguida seguiram as duas para a quimioterapia. Não se conheciam, apesar de viverem na mesma cidade interiorana, de serem da mesma faixa etária e de levarem consigo desde o nascimento os fatores de propensão à doença. O que lhes uniu, entretanto, foi aquele quarto branco do SUS, cujas macas lhes servem de leito.
Primeiro, eu fui hoje à tarde no quarto delas para acompanhar uma colega fazer a anamnese e o exame clínico. O bom de ser estudante de medicina é que você ainda não incorporou a distância dos médicos e nem tem poder de impor seus conhecimentos sobre os pacientes, o que te faz mais um visitante desconhecido do que exatamente um profissional da saúde. Por isso, a anamnese da minha amiga fluiu em uma conversa paralela entre as meninas, as mães delas, e mim. Contei-lhes que eu participo do grupo de palhaçoterapia da faculdade, e puvi uma reclamação de que elas ouviam a música nos outros quartos, mas nunca tiveram a oportunidade de ter os músicos em seu quarto. Expliquei que não tínhamos tempo de chegar até o fim do corredor, mas que hoje à noite eu falaria para eles entrarem naquele quarto sem falta.
Pois esse foi meu erro. Descobri, à noite, com um nariz de palhaço e um avental laranja, que pessoas com leucemia não pode receber muita visitas ao mesmo tempo. Vi-me perante um dilema: aceito essa regra ou mantenho minha promessa? A porta do quarto ficou o dia todo aberta, enfermeiras, médicos e estudantes entraram e saíram de lá a seu bel prazer. Janelas escancaradas, corredor movimentado, acompanhantes que entram e saem, tudo isso são carregadores de germes perigosos a quem está com a imunidade deprimida. Por que o meu grupinho de violão era, então proibido? Admito que pequei e enfiei no quarto uma pessoa com um violão e mais três outros cantores e pedi que só tocassem uma música só e que saíssem do quarto assim que acabassem. As meninas ficaram felizes, agradeceram-me com um sorriso que eu só pude perceber graças às rugas que apareceram nos cantos da máscara que lhes cobria a boca.
Essa minha falta foi imperdoável: escolhi tentar aliviar a tristeza do câncer e manter minha promessa a seguir cegamente uma ordem insensata.
Primeiro, eu fui hoje à tarde no quarto delas para acompanhar uma colega fazer a anamnese e o exame clínico. O bom de ser estudante de medicina é que você ainda não incorporou a distância dos médicos e nem tem poder de impor seus conhecimentos sobre os pacientes, o que te faz mais um visitante desconhecido do que exatamente um profissional da saúde. Por isso, a anamnese da minha amiga fluiu em uma conversa paralela entre as meninas, as mães delas, e mim. Contei-lhes que eu participo do grupo de palhaçoterapia da faculdade, e puvi uma reclamação de que elas ouviam a música nos outros quartos, mas nunca tiveram a oportunidade de ter os músicos em seu quarto. Expliquei que não tínhamos tempo de chegar até o fim do corredor, mas que hoje à noite eu falaria para eles entrarem naquele quarto sem falta.
Pois esse foi meu erro. Descobri, à noite, com um nariz de palhaço e um avental laranja, que pessoas com leucemia não pode receber muita visitas ao mesmo tempo. Vi-me perante um dilema: aceito essa regra ou mantenho minha promessa? A porta do quarto ficou o dia todo aberta, enfermeiras, médicos e estudantes entraram e saíram de lá a seu bel prazer. Janelas escancaradas, corredor movimentado, acompanhantes que entram e saem, tudo isso são carregadores de germes perigosos a quem está com a imunidade deprimida. Por que o meu grupinho de violão era, então proibido? Admito que pequei e enfiei no quarto uma pessoa com um violão e mais três outros cantores e pedi que só tocassem uma música só e que saíssem do quarto assim que acabassem. As meninas ficaram felizes, agradeceram-me com um sorriso que eu só pude perceber graças às rugas que apareceram nos cantos da máscara que lhes cobria a boca.
Essa minha falta foi imperdoável: escolhi tentar aliviar a tristeza do câncer e manter minha promessa a seguir cegamente uma ordem insensata.