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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Inspiração?

Não podemos esperar que a inspiração venha até nós. Ela é uma ave de longas asas coloridas, seu bico é longo e faz muito barulho quando chega: grunhe, pia, o farfalhar de penas ressoa até muito tempo depois de ela alçar voo para longe. Passamos a vida almejando vê-la voar até nossa casa, e sempre lembraremos dela, como uma dádiva que nós damos a nós mesmos. Há - incautos - os que só fazem apoiar os cotovelos no parapeito de janelas imensas, olhar o ceu e esperar por toda a eternidade a chegada da inspiração como os clérigos esperam o paraíso. Quanto tempo já não foi perdido na antesala de musas inspiradoras!

O que nos resta? O trabalho à revelia da inspiração. O ideal é fazer aquilo que precisamos, aquilo que sabemos fazer sem esperar arroubos de genialidade nem epifanias de sabedoria. Qual não deve ser o prazer do ourives que talha, cola, remenda e cria com tanta experiência que imprime em seu trabalho sem perceber o mesmo voo daquele santo pássaro que entra, voa baixo entre o ouro e as formas e depois volta a subir aos ceus. Esse ourives, mestre da arte e da técnica, é um feliz sujeito das benesses da disciplina e da entrega àquilo que faz, ao passo que a inspiração é apenas um acaso, uma dentre as mil possibilidades de trabalho que cada um de nós tem à frente.

A nós, cujas vidas não estão postas em trilhos seguros e que sofremos com nosso desconhecimento do mundo e de nós mesmos, nos resta dividir o tempo com o inútil, com o tédio, com o marasmo e com a indecisão.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Travesti não é bagunça


Ela não se aguentou e foi mais rápida do que a enfermeira sentada num banquinho de madeira, que só teve tempo de balançar as mãos: com um só movimento desesperado agarrou a seringa da bancada, enfiou no próprio braço e correu para trás da porta. Gritou, é claro, mas não tanto quanto se espera de uma pessoa que se fura com uma agulha de forma tão violenta, uma vez que a noite e a profissão já lhe deram pontadas mais doloridas. Quem berrou de verdade foi a enfermeira, e tal, não a voz rouca de um travesti com pouco dinheiro para comprar regularmente os comprimidos de hormônio, trouxe para a salinha de enfermagem alguns médicos atônitos e poucos pacientes curiosos. 

Travesti não é bagunça, ela exclamava como um feirante no domingo, travesti é gente, eu to passando mal, enquanto extraía de si um sangue roxo que era sugado de um braço amarelo, entre uma pelanca e outra, perto de muitos outros furos por ali. Chegara às cinco da manhã para receber as injeções que precisava, queria conversar com aquela médica que a atendia, mas até aquela hora ainda não a haviam chamado para a consulta, como na maioria das vezes em que ia lá.Toda ela tinha dobras e furos, não só no antebraço viciado, mas também no pescoço queimado, na boca vermelha, no queixo via-se uma cicatriz, os olhos cobertos por pálpebras enrugadas e molhadas, o resto da face tinha rugas, furúnculos, herpes, a barba já tinha voltado a crescer, coçava muito.

Novos gritos: a notícia de um travesti armado chegou à fila que espera atendimento, aos doentes enrolados em macas no corredor, à cadeira de rodas desconfortável que aquela velha rangia toda vez em que mexia o corpo. Socorro, ela em AIDS, ela vai furar a gente, eles gritavam lá fora, a enfermeira gritava ainda dentro da sala, os médicos não sabiam o que fazer, uma pessoa riu ao fundo e a travesti – cujo nome era José, Layla, Luana ou Michaela, esse último na Itália -, não é bagunça, sai de perto de mim, já tinha enchido o tubo com sangue contaminado, apontava a agulha na direção de todo avental que via pela frente.

O sangue, o vírus jorravam da arma e respingavam no chão branco, nos papéis amarelos, na pele bronzeada dos médicos e nos óculos da enfermeira. A travesti ria, bagunça, putaria, deixa eu sair daqui, mas também estava assustada, principalmente quando alguém saltou sobre ela para tirar a seringa daquelas mãos masculinas. Sangue e suor se misturavam em seu braço, ela estava quente, nervosa, o furo da agulha ainda pingava, e os cabelos se debatiam ao redor de uma cabeça sem rumo. E em cima daquela maquiagem, daquela pessoa tão precariamente montada com batom e blush, um mundo de graduados, doutores, técnicos, subiu em cima. Já antes em sua vida incontáveis homens cultos e estudados lhe haviam subido em cima, agarrado suas mãos e seus ombros, apanhara de muitos deles, batera em outros tantos, mas nunca sem antes negociar um preço razoável nem sem poder se defender como merecia, e José se viu pela segunda vez humilhada naquele posto de saúde. Arranhou um rosto que chegou perto do seu, mordeu um antebraço peludo envolto ao seu pescoço e resolveu usar sua arma improvisada contra os agressores.
A travesti deu agulhadas em todos os pedaços moles da enfermeira, que eram muitos. Ela tinha se prostrado na frente de Layla, a quem a raiva aflorava os instintos da noite e cujos braços estavam imobilizados pelos médicos, mas os punhos continuavam móveis e com eles, mais uma vez, ela ganhou a vida. As duas estavam de pé, as duas descabeladas e gritavam, puta, gorda, filha da, viado, mas uma delas dominava uma agulha muito melhor que a outra, as escolas onde estudaram eram distintas e os intuitos que propulsionaram a aprendizado também, sendo natural que quem aprende por sobrevivência saiba mais do que quem lêlivros e faz provas. Dez agulhadas, essa foi a conta da perícia, dez estocadas de uma agulha usada injetaram consideráveis milímetros de sangue positivo na enfermeira, sob o olhar medroso de médicos e pacientes, um volume domesticado por infindáveis pares de braços que sufocavam os peitos de silicone.

A gritaria acalmou. As mulheres choravam, os homens bufavam, José estava com lágrimas nos olhos, mas no pescoço tinha todas as veias saltadas, estatelada no chão, indefesa e louca. A junta médica pegou-lhe pelos ombros, e a atou com lençóis novos do almoxarifado, enjaulando-a atrás de uma mesa de prontuários sujos de sangue. Um animal de sexo indefinido, ela deixou-se dominar pelos chicotes dos donos do circo, sob os aplausos vívidos do público. O chão era rosa e branco, a seringa partira-se no meio, o vidro, o plasma, o HIV esparramados na enfermaria, tudo era anti-higiênico, e ainda pingavam gotas escuras das duas mulheres.

Como sempre ocorre nos casos de polícia, a oficialidade foi a última a entrar em cena: um guarda à paisana também esperava para ser consultado, e, herói da corporação, levantou-se de seu lugar, dirigiu-se até a enfermaria – em que pese suas terríveis dores nas costas - e à travesti já contida e já impedida de dizer o que queria imputou o terrível teje preso, o que seria o cúmulo da crueldade não fosse necessário, para o bom andamento da justiça e da sociedade em geral, seguir à risca o devido processo legal. O policial, esse também um José, recebeu apertos de mão dos espectadores esquecidos de suas enfermidades, amparou o choro da enfermeira, vou morrer, AIDS, acabou tudo agora, tenho filhos pequenos, conversou com os médicos aliviados, a psiquiatria precisa dar seu parecer, preparemos o coquetel para a coitada, assim que tirarem o viado daqui a gente continua o antendimento, e deu três batidinhas na sua identificação corporativa antes de voltar a seu lugar: nada como cumprir bem o serviço!



Fonte nessa notícia de jornal, e prestem atenção aos comentários construtivos...


Travesti não é bagunça:

domingo, 20 de junho de 2010

Insônia

Já é hora do chá no Japão.
Na Rússia, almoça-se bem.
Na Itália, as crianças ainda estão na escola.
O Atlântico não mudou nada a essa hora do dia.

É verdade que há japoneses que não gostam de chá
Que existem muitos famintos em Moscou
Que italianos analfabetos estão às pencas por aí.
Mas todos estão vivos e acordados, é um domingo
E o sol brilha mesmo em alto mar.

No meu quarto brasileiro, eu não consigo dormir.
E a noite teima em não acabar. 

sábado, 19 de junho de 2010

Um novo deus e seus mandamentos

Basta uma pequena passeada pelo Google para aprendermos uma máxima moderna, sentença indiscutível perante os gurus da informática: um blog deve ter um assunto delimitado, discorrer sobre nichos específicos e esbanjar imagens e vídeos requintados, além de ser atualizado constantemente. Os temerários que não seguirem tais mandamentos sofrerão as mais árduas das penas da contemporaneidade, que são a vergonhosa baixa visitação de suas páginas virtuais pelo público mundial, o ocaso dos comentários, o sumiço de seu endereço no lodaçal dos mecanismos de procura. Por meio dessa ameaça feita por um deus mais cruel do que o dos católicos tem-se um mundo on-line de portais, homepages, blogs e sites de relacionamento sobre os assuntos mais especializados, o que me dá a impressão de que tal mundo é um grande oceano de besteiras com ilhas de material mais interessante.


Pois eu prefiri mudar-me de planeta, ir para outro menos habitado e mais obscuro, onde o contador de visitas não faria as vezes de mais-valia nem os trackbacks serviriam como glória eterna. Meu blog não é especialista em nada (assim como eu), imagens só vem quando necessárias ou bonitas, vídeos só quando são imprescindíveis, a regularidade de postagem que vá às favas e o tamanho dos texto varia conforme aquilo que quero dizer. E assim, meus caros, achei eu que havia despistado o deus da internet, e que vivia numa comunidade longínqua em que os blogs valem por aquilo que está escrito neles. Vejam só como me enganei: mesmo a anos-luz de distância, este meu blog sofre com a pesada mão que a divindade magnânima baixou sobre minha cabeça e devo sofrer seus castigos de cabeça em pé. Cruelmente, meus textos e seu escritor sofrem ainda com a pouca divulgação e com o descaso dos homens.


Ai de mim! Pensei que poderia viver feliz no meu mundo sem me preocupar com as consequências impostas pelo século XXI. Não pude, é claro, suportar o fardo de mudar tudo sozinho, e agora manejo a difícil tarefa de ser um blogueiro sem público, que é o mais novo tipo de fracassado produzido pela história humana. Não tenho muitos visitantes e são poucos os comentários, mas isso basta para que essa página tenha significado para mim e para quem lê. Esse significado, entretanto, é execrado pelo Google, pelo Youtube e pelo Facebook, os apóstolos dessa nova religião.

Assim continuarei, um Quixote contra um moinho, escrevendo aqui neste pequeno inferno cibernético. Cá estarei sempre, em meio à falta de assunto, à escassez de novidades e à danação dos excluídos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carta a L.



Querida L.

Prometi uma carta a você no ano passado, lembra? Pois eu a escrevi naquela época, atualizei-a mais de uma vez com os acontecimentos conforme os meses passaram e ela continua aqui no meu quarto, em meio a tantos outros papeis menos sentimentais. Está mais do que na hora de você receber a correspondência há tanto esperada, e para isso utilizarei o meu blog para fazer chegar até seus olhos essa carta, que de carta tem muito pouco.

A distância é realmente uma barreira quase insuperável quando se trata de relacionamentos. Há amores que não resistem, e as amizades mais sinceras ficam estranhas porque quem antes você via o tempo todo agora ou virou contato no MSN, versão atual dos velhos "pen friends" ou, como é o nosso caso, se tornou uma pessoa cuja ausência só é superada pela lembrança da época em que a amizade era cotidiana e por um ou outro telefonema esparso no tempo. Com um misto de gosto pelo vintage e repulsa à completa virtualização das nossas relações, combinamos uma troca de cartas à moda antiga, para fazer com que o papel que eu pego com as mãos acabe pousando nas suas, e assim imitaríamos as sessões da mostra de cinema ou as exposições do CCBB que sempre víamos de mãos dadas. Mas como é difícil manter uma promessa dessas! Primeiro que as coisas e os pensamentos acontecem mais rapidamente do que o prazo de entrega dos Correios; segundo, que eu não fazia ideia de como mandar uma carta para você (agora eu já sei que o procedimento é simples, quase rudimentar); terceiro é que estamos nos rendendo a tudo a nossa volta, lentamente, e acabo fazendo desse espaço o meu serviço postal.

Gostei muito de saber que você terminou a faculdade em grande estilo: mandou tudo às favas e partiu para outra, muito melhor e mais diversa. Você sabe como eu adoro esses arroubos de liberdade, e você mais do que ninguém acompanhou aquele tempo tenso em que eu tinha um pé nas Arcadas, outro bem longe delas, e acabei por pular fora antes que me tornasse incorrigível. Da mesma forma que eu me sento aliviado ao ter saído de lá, imagino que você também tenha dado pulos de alegria quando se viu livre. Temos sempre que olhar para trás, para nossos erros ou acertos e para nossos destinos, fruto da nossa capacidade crítica e das nossas escolhas. Fazendo isso, podemos entender melhor o momento em que vivemos e conseguimos enxergar como já temos uma história para contar: você se formou na escola, você fez faculdade, você sofreu, contestou, criticou, você se formou e agora, com o canudo na mão, você se põe novamente no mundo da graduação para buscar outro rumo na sua vida. Olha só que bela história, e esse é apenas o esboço do roteiro! O homem faz a si mesmo, já nos dizia aquele outro que eu naquela época lia como se fosse novidade.

Mas mesmo assim, você se entristece. Entendo isso, e acho bom que você é assim - odeio os otimistas sorridentes. O mundo, a universidade, os homens e a família te botam doida. O Largo São Francisco marca demais a gente, não sai da nossa alma tão facilmente quanto a gente pensava que se livraria dele. Mesmo depois de abandonado, ele ainda reverbera na nossa cabeça, e as coisas que a gente via lá eu acho que nunca vamos esquecer. Então, L., não tente simplesmente apagar esses cinco anos da sua vida. Agora começam outros quatro anos que serão o desenvolvimento daquilo que está sendo cultivado por você desde 2005, e não uma redenção por nossa via sacra. Levante a cabeça, leia mais livros, vá à faculdade, você só tem a ganhar agora que continua por novos caminhos na sua educação. A terapia te está ajudando a superar velhos problemas, a família está sendo um local de conforto e os amigos, mesmo os exilados, aí estão para te mostrar como você é incrível e como você deve se orgulhar de si mesma como nós nos orgulhamos de tê-la nas nossas vidas.

Para mim o caminho das pedras foi menos áspero mas mais sinuoso. Perdi-me algumas vezes, outras vezes estanquei - e admito que teve uma época de arrependimento. Como todo andarilho, ainda procuro as placas de direção e sigo andando. Agora eu vejo que o eu de 23 anos foi moldado pelo de 19, o qual nasceu do de 17, gerado pelo recalcado aluno do Dante de 15 anos.

Realmente, aquele francês tinha razão. Mas mais razão do que ele tem o Vinicius, que canta aquela música que eu cantei mais de uma vez para você, na estação da Sé, esperando o metrô para voltarmos cansados para casa. Lembra? Ainda bem que seguimos essa filosofia que só na aparência é simplista e estamos nos moldando de acordo com aquilo que nos deixa felizes. É melhor ser alegre que ser triste, fazer o quê...

Você me deve uma resenha de um filme que eu nunca vi mas que você amou. Espero por ela, e não importa se vai demorar mais um ano e meio para eu lê-la.

Com um beijo de boa sorte, do seu

Luis.

domingo, 6 de junho de 2010

Entre Deus e o diabo

Chegamos a essa semana em que São Paulo vê o combate ideológico e marqueteiro de dois grupos falsamente antagônicos que exibem sua força por ruas fechadas ao tráfego e ao andar apressado de seus milhões de transeuntes habituais. Com uma diferença de três ou quatro dias, a cidade se vê tomada por dois eventos gigantes: a Caminhada para Jesus e a Parada Gay. O primeiro conclama a suas hordas de fiéis para que se dêem as mãos e marchem até o Ibirapuera em louvor ao Pai, a Seu Filho e também ao Espírito Santo, pois este é frequentemente deixado em terceiro plano pela maioria dos crentes cristãos. Já a outra procissão também prega que as mãos sejam entrelaçadas e que se ame ao próximo como a si mesmo, em que pese o fato de a força a ser então demonstrada é medida por parâmetros mais objetivos.

A minha cidade natal se vê, então, entre a cruz e a espada, espelhando dois dos mais antigos costumes humanos que as pessoas insistem em ver como ultra-modernos: o fanatismo religioso e o desejo homossexual. Os evangélicos louvam a Deus, pedem perdão por seus pecados e pelos dos outros, não sem antes lembrá-los (aos outros, que fique claro) de que o inferno aí está. Por sua vez, os gays fazem o que sempre fizeram, que é o que faz todo o resto da humanidade, e são poucos os puros de coração que não tem conhecimento do que se trata. É agora a hora em que alguém se levanta e diz: "ora, não se esqueça de que a Parada Gay é uma mobilização política, que por meio dela demonstra-se que a comunidade GLTB é unida e almeja uma revolução do pensamento machista brasileiro". Essa mesma pessoa, caso seja da arrogante estirpe dos imparciais, diria também: "os evangélicos, da mesma formam, marcham com intuito religioso, é como se fosse uma grande missa em que as almas serão purificadas e os demônios expulsos dos corpos impuros, o que lhes serve de base para bradar ao povo brasileiro que a salvação se dá pela fé".



Nada mais errado, meu amigo. Os paulistanos sabem muito bem a gênese disso tudo, naquela década de 1990, quando, muito tardiamente, o Brasil engatinhava na luta pelos direitos dos homossexuais e quando as igrejas já se proliferavam por todo canto. Foi nessa época em que um punhado de gays se juntaram e levantaram uma bandeira colorida no MASP, achando que teriam a repercussão que as paradas gays tinham em outros países. Os anos passaram e lentamente a bandeira hasteada começou a chamar a atenção de homossexuais brasileiros de todo o País e de repente São Paulo contava com uma população gay considerável e uma Parada de destaque. Foi aí que o sentido dessa manifestação se esvaziou, apesar de as ruas estarem lotadas: de movimento político, a Parada virou uma festa, e das grandes. Hoje ainda há um mote político por trás do evento e muitos candidatos aproveitam a multidão para prometer o respeito à diversidade. Seria interessante se se fizesse um levantamento de quantos dos participantes da Parada conhecem o lema do evento, que a cada ano é votado por acadêmicos e militantes da causa gay. Duvido que muitos o digam, muito menos com a convicção de que se trata uma luta das mais difíceis.



E quanto à Marcha para Jesus? Essa tem uma história mais fácil de ser resumida. A Parada Gay cresceu e chamou a atenção da mídia e do mundo, o que balançou muitas batinas por aí. Os padres faziam sermões - sementes que eram semeadas na estrada -, os pastores urravam e chacoalhavam a bíblia, e senadores irônicos riam de tudo isso. Foi então que algum iluminado teve a idéia de organizar também um evento só para esse outro público. Nasceu a Parada dos evangélicos, mais recatada, mas de qualquer forma uma parada e há alguns anos temos que ver a disputa para quem ganha em números de participantes e em dinheiro investido.


Brasileiramente - têm alguma dúvida de que São Paulo é mesmo uma cidade bem brasileira? -tudo isso virou um carnaval, e as pessoas saem de casa ou para cantar com o Padre Marcello ou para ouvir Lady Gaga bem alto, no meio da rua. Existem três ou quatro militantes que lá estão em cima de carros de som, gritando palavras de ordem como "abaixo o conservadorismo" ou "glória a Jesus". Enquanto isso, os paulistanos se acostumam com mais um dia de trânsito e ocorrências policiais, só mudam os gritos.

De resto, a política, os valores e o velho embate entre libertinos e puritanos fica por último na ordem dos acontecimentos, já que a massa de pessoas dos dois lados - crentes ou gays - são tanto uma coisa quanto a outra, isto é, somos todos humanamente graves e coloridos, devassos e um pouco santos, crentes em algo e viados de vez em quando.