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sábado, 13 de março de 2010

No pronto socorro

Assim que cheguei no pronto socorro central, fui conduzido por um funcionário até a ala psiquiátrica, no fim do corredor. Como sempre acontece com a estrutura de saúde mental, existe um certo distanciamento entre a área de trabalho dos outros médicos e a parte destinada aos psiquiatras. Assim, para chegar àquele fim de corredor, tive que passar por diversas outras portas com muitos doentes (está tendo uma epidemia de dengue na cidade) e sem nenhum ar condicionado.

A psiquiatra de plantão mostrou-me os doentes: esquizofrenia catatônica, abuso de substâncias, etilismo, transtorno bipolar, depressão, ansiedade, CID, DSM-IV-TR. As macas balançavam com o tremor da abstinência de álcool, e a mãe do viciado em drogas tinha medo de voltar para casa com o filho, que apanhou da polícia. Uma mulher não conseguia parar de chorar, não tinha paciencia para aturar a vida familiar, mas implorava por uma dispensa do trabalho.

A conduta psiquiátrica é muito racional, mas resolve muito pouco. Quê fazer com um alcólatra que, depois de ameaçar matar o pai, chega ao pronto-socorro querendo parar de beber? Passa-se um remédio para controlar os impulsos agressivos e sugere-se a triagem numa comunidade terapêutica. Feito isso, ele volta para casa. A internação psiquiátrica não funcionaria porque, para etilistas, ela é curta e só serve para que eles suportem os primeiros dias de abstinência. Além disso, todos os hospitais psiquiátricos estão lotados, e a preferência é para quem tem transtornos mentais mais graves.

A emergência psiquiátrica, então, tem um papel ao mesmo tempo emergencial e protelatório. Doentes mentais não se curam em alguns minutos e de acordo com protocolos, como acontece nas outras áreas da medicina. Quem precisa de um psiquiatra no pronto-socorro não receberá a cura, mas será estabilizado - para utilizar um termo médico consagrado - e voltará para casa com um remedinho e com uma guia para procurar um outro psiquiatra no ambulatório, que o acompanhará por mais tempo.

Mas e quem precisa ser internado, quem não pode voltar para a rua? Esses, como a senhora esquizofrênica, ficam na maca, tomando soro e sendo observados pelos psiquiatras e enfermeiros, à espera de uma vaga em um hospital psiquiátrico. Um dia, ela vai conseguir a chance de ser transferida, mas o modo como ela será tratada, e as chances de cura no leito de internação é outro assunto, que fica para outro dia...

Um comentário:

  1. "existe um certo distanciamento entre a área de trabalho dos outros médicos e a parte destinada aos psiquiatras" -como não médica, só isso aí já me gera uma série de questionamentos e me chama a uma outra série de analogias.
    mas estamos falando de "racionalidade instrumental" e eu só posso imaginar a dificuldade de colocar ordem no ambiente caótico que esse da emergência psiquiátrica.
    o que me preocupa mais não é a falta de vagas pra internamento, é a demanda por (psico)diagnósticos rápidos, porque a fila é enorme e o tempo é curto.
    como é que se escuta, se percebe o outro no meio disso tudo? não sei. não sei, até, se conseguiria. que bom que você tentou.

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