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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Esboço de prólogo do monólogo?



Não esperem os senhores por grandes verdades universais: aquilo que é produto das horas de descanso jamais atingirá as glórias da imortalidade. As páginas que seguem a este texto introdutório relatam casos e fatos de uma vida anônima e observadora – como todas as vidas devem ser.  Nelas há paciência, não aventuras. Há jardins, nenhuma floresta. Tudo nestas memórias tem o cheiro das rosas que eu mesmo plantei e cultivei durante anos nos canteiros da minha rua. Existe também – os poucos leitores talvez não o percebam – a transparência do orvalho que insiste em molhar as pétalas de todas as flores, minhas ou não, apesar do calor que torra nossas cabeças. Pois em meio a essa lucidez cristalina é que cresceram as idéias que permeiam essas linhas. O Livro do interior? Nome pomposo e incerto demais para as minhas pouco compromissadas digressões de fim de tarde. Eu diria que é o Livro da Rua Ondina. Mesmo assim, os conhecedores dessa cidade distante sabem que a rua que vai da rodoviária à rodovia nada se parece com a minha quadra. Este é, então, o Livro de João. Nada bíblico, entretanto.

Este livro, que leva meu nome, foi gestado aos poucos, no compasso de uma velhice sozinha mas auto-suficiente. Ele cresceu conforme encurtavam meus passos e me serve de bengala, o que não quer dizer que ele possa se sustentar sozinho. Como tantos outros textos antes dele, corria o risco de ser um natimorto, abandonado antes mesmo que qualquer pessoa lhe pusesse os olhos em cima. Seus antecessores hoje ocupam o interior de umas pastas azuis guardadas em cima de meu armário, mas estas memórias que aqui vão redigidas sintetizam todas as outras, ficcionais ou não. As pastas azuis não estão reviradas nem dispensadas da vida útil como pode sugerir o quadro pintado em tons pastéis de quatro ou cinco arquivos em cima de um guarda-roupa, com a fraca luz do fim tarde iluminando parte dela, à frente de uma parede escura pouco nítida. O artista que o pintou, além de terríveis técnica e dom, não soube entender o que via. Quis – pobre dele! – retratar a velhice, a solidão, a perecibilidade das palavras escritas, mas nunca lidas. O que ele via não eram resquícios da minha velhice medíocre: eram apenas papéis, muito bem organizados por data, os mais velhos embaixo dos mais novos, pouco consultados, admito, mas expostos a mim mesmo como um cemitério de idéias com grandes e chamativas lápides.

Um comentário:

  1. Gostei do seu blog. :)
    Se não for encomodo visita o meu tbm :)
    Beijão

    https://bonattobonatto.wordpress.com/

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