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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um erro!

Hoje eu cometi um erro gravíssimo, contrário a todas as regras de conduta em hospital geral neste país.
Passando pelos internados de uma ala qualquer do hospital, entrei em um quarto no fundo do corredor, no qual se alojavam duas mulheres jovens. Não tinham mais de vinte e cinco, estavam ambas de camisola e tinham as cabeças completamente carecas. O diagnóstico de leucemia foi pregado em suas testas, hoje sem franjas, há um mês, e logo em seguida seguiram as duas para a quimioterapia. Não se conheciam, apesar de viverem na mesma cidade interiorana, de serem da mesma faixa etária e de levarem consigo desde o nascimento os fatores de propensão à doença. O que lhes uniu, entretanto, foi aquele quarto branco do SUS, cujas macas lhes servem de leito.

Primeiro, eu fui hoje à tarde no quarto delas para acompanhar uma colega fazer a anamnese e o exame clínico. O bom de ser estudante de medicina é que você ainda não incorporou a distância dos médicos e nem tem poder de impor seus conhecimentos sobre os pacientes, o que te faz mais um visitante desconhecido do que exatamente um profissional da saúde. Por isso, a anamnese da minha amiga fluiu em uma conversa paralela entre as meninas, as mães delas, e mim. Contei-lhes que eu participo do grupo de palhaçoterapia da faculdade, e puvi uma reclamação de que elas ouviam a música nos outros quartos, mas nunca tiveram a oportunidade de ter os músicos em seu quarto. Expliquei que não tínhamos tempo de chegar até o fim do corredor, mas que hoje à noite eu falaria para eles entrarem naquele quarto sem falta.



Pois esse foi meu erro. Descobri, à noite, com um nariz de palhaço e um avental laranja, que  pessoas com leucemia não pode receber muita visitas ao mesmo tempo. Vi-me perante um dilema: aceito essa regra ou mantenho minha promessa? A porta do quarto ficou o dia todo aberta, enfermeiras, médicos e estudantes entraram e saíram de lá a seu bel prazer. Janelas escancaradas, corredor movimentado, acompanhantes que entram e saem, tudo isso são carregadores de germes perigosos a quem está com a imunidade deprimida. Por que o meu grupinho de violão era, então proibido? Admito que pequei e enfiei no quarto uma pessoa com um violão e mais três outros cantores e pedi que só tocassem uma música só e que saíssem do quarto assim que acabassem. As meninas ficaram felizes, agradeceram-me com um sorriso que eu só pude perceber graças às rugas que apareceram nos cantos da máscara que lhes cobria a boca.

Essa minha falta foi imperdoável: escolhi tentar aliviar a tristeza do câncer e manter minha promessa a seguir cegamente uma ordem insensata.

3 comentários:

  1. Luis, que bom que você ainda mantém esse espírito humanitário que tanto tem faltado na maioria dos médicos que tem se mantido apenas como meros funcionários burocráticos. Tenho uma irmã muito doente que já passou muito tempo em leitos de hospitais. E sei o quanto ela sofria com a indiferença das pessoas. O que você fez foi levar alegria a essas meninas e isso não tem preço e não há medicação melhor para a alma e até mesmo para o corpo físico. Elas não te esquecerão.Pode ter certeza.
    Bjs

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  2. oi, querido Pipe, essa vó está impressionada com os blogs dos netos. Ontem recebi da Ju convite pra entrar em seu blog, que é tb. da bu, a ró voltou a escrever, e eu entrei hoje no seu blog.
    Tenho motivos suficientes pra ser uma vó coruja, sim. Vocês tem me surpreendido. Amei o que está escrevendo e fico feliz por vc. ser aquela pessoa maravilhosa que eu conheço desde que nasceu. Parabéns, querido. Bjbjbjbjbjbjbj.Vó coruja

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  3. as vezes o que faz a vida valer a pena é justamente quebrar algumas regras.
    não mude.

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