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terça-feira, 20 de julho de 2010

A gente se comove

Por que a gente se comove com coisas tão aleatórias?

Imaginem que eu estava voltando pra casa de noite, na Paulista, quando me deparo com um pai jovem, acompanhado de seus filhos. Ele vendia doces caseiros, portava à tiracolo uma bandeja onde apoiava sua mercadoria e com os braços acolhia as duas crianças em seus flancos. O menino abraçava a menina, a menina agradava o pai, e ele equilibrava os quitutes e os carinhos com maestria. Ele me abordou oferecendo os tais doces: três pares de olhos esperavam minha resposta, que foi um corriqueiro não, obrigado. Apenas mais um caso de vendedores ambulantes nesta malfadada cidade, dirá a maioria. Outros, mais sociológicos, dirão que esse é um dos frutos das injusta distribuição e da opressão que os ricos exercem sobre os pobres. Dessa forma, discute-se se os ambulantes devem ou não ser considerados novos hereges ou se devem ter carteira assinada, se podem ser enxotados de volta às suas miseráveis terras ou se poderão tentar conseguir um pouquinho de riqueza nesta capital.

O fato é que o homem e as crianças sorriam. Alheios à insensibilidade e ao desprezo de todos, os três estavam unidos numa mesma digna missão de ganhar o pão para o dia seguinte. Os filhos eram capitaneados pelo pai, que ainda não perdeu seu sotaque natal e que andava aquela via enorme de ponta a ponta, oferecendo a bocas desconhecidas aquilo que suas mãos a ele tão familiares produziram em alguma cozinha distante. Não roubavam, não malediziam a outrem nem choravam suas penas ou festejavam suas glórias: estavam felizes em vender aquilo que vendiam, em nisso reside uma sabedoria dificilmente alcançada.Sorriam, e eu andava tão carrancudo.Aquela era uma família unida que estava hoje à noite pela Avenida, e talvez fosse a única.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O círculo dos danados

Em suas andanças pelos Inferno, Dante mostrou-nos como ele é estruturado, quem ocupa qual nível de danação  e quais os castigos eternos imputados aos pecadores. Vivesse ele neste malfadado século XXI, e teria descrito mais um círculo infernal, o mais baixo de todos, na verdade, aquele cujos ocupantes passarão o resto da eternidade sob os pés do Maléfico. Trata-se da infame estirpe dos sem-carta de motorista.

Esses seres execráveis, a cuja corja eu pertenço desde o momento em que fiz meus dezoito anos, são estranhas pessoas que todos os dias se infligem dores e privações, pessoas cuja presença é motivo de escárnio para o justo populacho que o rodeia e cuja fleuma pedestre serve como sinal de heresia imperdoável. Pastores e santos da religião dos automóveis e auto-escolas pregam nos quatro cantos do mundo contra os sem-carta. Mais de uma bula papal já jogou tais ignóbeis às fogueiras e às masmorras, e há mesmo quem diga que a danação dessa gente já estava prescrita nos antigos profetas e no Ato dos Apóstolos.

Pois continuo sem minha carta. Insisto em depender do transporte público, das caronas e das minhas pernas tão andadas por aí. Não vou aqui discorrer das benesses do caminhar, de seu bem para o físico, para o meio-ambiente e para a pacificação urbana. Nem mesmo vou citar a delícia que é flanar pela cidade numa tarde qualquer. Vou, no lugar disso, mostrar a todos que esses neo-protestantes são pessoas preparadas para o que o inferno lhes reserva: existe maior castigo do que ficar horas num ônibus lotado, num trânsito infernal, numa rua esburacada, num metrô dez menor do que deveria ser?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Lord Jim

...the kind of thing that by devious, unexpected, truly
diabolical ways causes me to run up against men with soft spots, with
hard spots, with hidden plague spots, by Jove! and loosens their tongues
at the sight of me for their infernal confidences; as though, forsooth,
I had no confidences to make to myself, as though--God help me!--I
didn’t have enough confidential information about myself to harrow my
own soul till the end of my appointed time...
so you see I am not particularly fit to be a receptacle of
confessions




Of course there
are men here and there to whom the whole of life is like an after-dinner
hour with a cigar; easy, pleasant, empty, perhaps enlivened by some
fable of strife to be forgotten before the end is told--before the end
is told--even if there happens to be any end to it.

Conrad é o cara no coração das trevas!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Línguas e casarões

As belas escolas de línguas desta cidade! É claro, em se tratando de uma metrópole, a expressão "escola de línguas" pode estar imbuída de inúmeros sentidos. Refiro-me àquelas cujo ensinamento é o de idiomas estrangeiros, oblíquo leitor deste blog tão incipiente. Língua neste caso remete ao som que dela sai e que muda de povo para povo, num curioso caso de metáfora desgastada... Espero assim desfazer qualquer mal entendido lingüístico.

Há o Goethe-Institut, em Pinheiros, num antigo convento de freiras católicas. O pátio interno hoje abriga mesinhas e cadeiras de onde se é servido por um bar bem teutônico, de vasto menu de Wurst e Kraut. Na Frei Caneca, o Istituto Italiano espera os ávidos pelo idioma dantesco no alto de um terreno elevadíssimo, no qual se alcança o topo por meio de uma escada tão grande que o Poeta não galgaria nem mesmo se Beatrice estive lá em cima. Por fim, há a elegante e recém-inaugurada sede da Aliança Francesa perto da Paulista. Lá, num casarão às cercanias dos mármores de outro Dante, o cansado paulistano pode (desde que freqüente algum curso) bebericar um vinho da Borgonha, ou, caso não leve sua própria garrafa, dar um gole num bom e velho café brasileiro.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De 1922 a 2010



É hora de escrever sobre ele.

Muito já foi escrito, homenageado, resenhado e criticado nos últimos dias, não me resta mais do que minha humilde e suja contribuição pessoal a dar por aqui. Posso, também, ser sinceríssimo e dizer que quando li a notícia de sua morte, numa manhã interiorana e escaldante, em que pese a chegada do inverno, meus olhos ficaram levemente umedecidos, e a lágrima só não rolou cara abaixo porque fui sóbrio e prudente, levei um dedo à face e tratei de recompor-me. Estava numa biblioteca - um gosto pelas bibliotecas acompanha-me desde sempre, e ao próprio Saramago sei que elas lhe apeteciam bastante também -, tinha entrado na internet para ver meus tão mal escritos e desimportantes e-mails, e caiu-me uma bomba dessas de supetão na cabeça. Sabia que ele estava mal, sabia que quase morrera por causa disso ou daquilo, mas mesmo a um passo da cova (aonde não chegou, posto que está cremado) escrevera dois livros (A viagem do elefante e Caim) e tinha outro em elaboração. Sabia, também, que ele logo mais morreria, mas mesmo assim fiquei triste pela desagradável surpresa.

O dia, entretanto, chamava-me a inúmeras mundanidades, não se esqueçam de que era cedíssimo na manhã do Brasil. Segui as notícias póstumas com pesar, mas não deixei de estudar Fisiologia (num livro tão mal escrito e inconstante, o contrário daquilo que lemos no Ano da Morte de Ricardo Reis). Sei que tais não são as mais belas palavras para se homenagear um ídolo morto, mas ele mesmo me ensinou a não dar tanta importância ao fato de alguém ter morrido, mas, no lugar disso, a ter noção do peso que ela imprime aos pratos da balança da vida de todos nós.

Que mais há de falar? Conhecia-o bem (do meu jeito, mas bem). Li vários de seus livros como quem devora um banquete, eu sou assim quando encontro a literatura que me interessa. Conhecia-o melhor do que conheço muita gente com quem forçadamente convivo todos os dias. Mas o conhecê-lo bem não é realmente saber quem ele foi, e isso não significa que eu queira lá saber exatamente quem aquele homem foi. Porque para mim e para quase todas as pessoas, pouco me importa se ele era ranzinza ou uma flor, cheiroso ou operário, o importante é saber que ele era ateu e comunista, provocador e um ótimo escritor da nossa língua.



José Saramago morreu, ontem ele cá estava, hoje não está mais. A copa do mundo não parou por isso, o mundo continuou a "a fazer aquilo que ele melhor saber fazer: dar voltas" e seus livros ainda são vendidos em todas as livrarias deste planeta imbecil.

No fundo, não mudou muita coisa.

Obrigado, José Saramago.

terça-feira, 6 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Blogblogs

BlogBlogs.Com.Br

A flor da internet

Global Voices - The world is talking, are you listening?

Acho que o que eu mais gosto nesse mundo virtual é o fato de ele dar voz a todo tipo de pessoa. Isso gera, pelo menos em teoria, uma amplitude tão grande de fontes de informação que dá a possibilidade de pôr em prática tudo aquilo que sempre se imaginou em termos de liberdade de expressão, em democracia de idéias, em divulgação de histórias e acontecimentos. Obviamente, na prática, não é bem assim: governos censuram a internet e blogueiros são presos. Além disso, a internet é uma fábrica de conteúo, e a cada segundo uma quantidade absurda de informação chega ao nosso alcance, fazendo com que nos perdamos no meio de tanta coisa a ser lida, ouvida, vista.

Assim, essa flor que é a rede mundial de computadores tem pétalas sem cor, não é tão colorida e viva quanto parece. Para tentar colorir um pouco mais a internet, há sites como o Global Voices. É um portal que pretende traduzir, reporduzir e tornar acessível muito daquilo importante e interessante produzido em blogs pelo mundo, e que, de outra forma, estariam fadados ou esquecimento ou à pura censura.

Esse tema merece um outro momento de reflexão mais aprofundada. Neste post, quero dar um exemplo da força dessa ferramenta difusora de conteúdo: uma bela seleção de posts do mundo todo que conta histórias de pessoas infectadas pelo HIV. Nele descobrimos seres humanos que sofrem, indignam-se, e questionam sua posição no mundo, ao mesmo tempo que amam, riem e produzem textos de alta sensiblidade. São ingleses, chineses, sulafricanos, todas pessoas anônimas que se nos apresentam a apenas um clique.

Leitura deliciosa e descoberta de uma óima forma de navegar pela internet!

sábado, 3 de julho de 2010

Comentário sobre Aguilar

Flanando pela cidade, deparei-me com Aguilar.

A exposição fazia um retrato cronológico da obra do artista, mostrando quadros, intervanções, performances e vídeos que remontam dos anos sessenta e chegam até hoje, neste estranho ano de 2010. O que lá vi foi a maturação de um artista plástico, a permanência de alguns temas, a renovação de técnicas, e uma sequências de belas produções, como o quadro Sampa, retrato da cidade natal do pintor, ou as homenagens aos duzentos anos de revolução francesa. Apesar dos meus conhecimentos infantis sobre artes plásticas, acompanhei o desfilar de obras, li os textos e tive uma ótima experiência naquela uma hora dentro do CCBB.

Acima de tudo, impressionei-me com uma das instalações, de título inspirador e de beleza sem igual: a criação do tempo e do mundo. É uma obra que nos obrigar a usar antíteses para descrevê-la: clara e escura, reta e torta, sólida e diáfana, imóvel e movimentada. Tal alternância de impressões gera um paradoxo cuja aridez resulta numa composição linda: um palco áspero onde repousam formas envidraçadas de bordas curvas, dentro das quais estão pedras de carvão. No plano de fundo, uma tela branca apresenta grossas linhas escuras (rastros de carbono?) que misturam linhas retas e formas mais abauladas. Tudo isso é iluminado por uma lâmpada amarelada pendurada do teto (o fio elétrico é torto e direito ao mesmo tempo) até bem perto do palco, gerando sombras surrealistas que nascem do vidro e grudam no ambiente arenoso do chão. Ainda por cima, como presente aos mais atentos, essa mesma lâmpada ilumina as pessoas em frente à instalação e suas sombras escuras se projetam na parede branca da sala de exposição, obrigando-nos a nos virar para vermos projetado.

A intromissão repentina do público na obra faz com que nos indentifiquemos com o receptáculo vítreo dentro do qual há um pedaço negro de carvão. O artista genialmente joga na cara de todos nós nossas próprias contradições, nossa arrogância em exigir coerência dos outros e do mundo, este também feito de sombras e formas diáfanas. A instalação, que aparentemente é escanteada para um pequeno palco, na verdade usa a luz para se distanciar de seu ponto de gravidade, alcançando a todos os que param em sua frente. É, portanto, uma experiência global, como somente as sensibilidades mais aguçadas podem criar.

Conclusão precipitada? Pode ser, ainda mais se se admitir que o título da obra serve apenas para abrir o nosso apetite, não para nos conduzir pela obra toda. Foi isso que eu senti, entretanto.

Para quem quiser, site do artista.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um pensamento alheio



Apesar de serem todos iguais, ele achava mais bonito o pôr do sol que via de sua janela do que esse de agora, banhado pelo mar e ao som de passarinhos. É engraçado, pensava, a cidade não é bela, e crepúsculos não têm nada demais, mas quando o céu pintava os prédios com aquele púrpura diáfano, quando o vidro da janela espelhava aquela cor que lentamente se transformava em noite, era mais bonito do que essa bola gigante que desce no horizonte e leva consigo toda a claridade do mundo. Não reparava no espetáculo com freqüencia, e nunca houve um momento em que ele parou de contar moedas para ver tudo aquela banalidade lá de seu apartamento, aos lados outros cubículos como o seu, abaixo e em cima mais pessoas não olhavam através das janelas, à sua frente uma fileira de vidraças de outro prédio que começam laranjas, vão ficando rosa, murcham roxamente e só continuam lá por causa da eletricidade dos postes, no térreo.

Aqui, qual a graça? As cores são as mesmíssimas, as árvores não se vêem mais muito bem, o vento incomoda, está ficando um pouco frio aqui do lado de fora, e ainda o por do sol era exatamente igual a todos os outros que ele já vira. Não, ele não se impressiona com essas coisas, e viveu sempre muito bem assim.

Fonte da foto nesse Flickr