Pesquisar este blog

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O círculo dos danados

Em suas andanças pelos Inferno, Dante mostrou-nos como ele é estruturado, quem ocupa qual nível de danação  e quais os castigos eternos imputados aos pecadores. Vivesse ele neste malfadado século XXI, e teria descrito mais um círculo infernal, o mais baixo de todos, na verdade, aquele cujos ocupantes passarão o resto da eternidade sob os pés do Maléfico. Trata-se da infame estirpe dos sem-carta de motorista.

Esses seres execráveis, a cuja corja eu pertenço desde o momento em que fiz meus dezoito anos, são estranhas pessoas que todos os dias se infligem dores e privações, pessoas cuja presença é motivo de escárnio para o justo populacho que o rodeia e cuja fleuma pedestre serve como sinal de heresia imperdoável. Pastores e santos da religião dos automóveis e auto-escolas pregam nos quatro cantos do mundo contra os sem-carta. Mais de uma bula papal já jogou tais ignóbeis às fogueiras e às masmorras, e há mesmo quem diga que a danação dessa gente já estava prescrita nos antigos profetas e no Ato dos Apóstolos.

Pois continuo sem minha carta. Insisto em depender do transporte público, das caronas e das minhas pernas tão andadas por aí. Não vou aqui discorrer das benesses do caminhar, de seu bem para o físico, para o meio-ambiente e para a pacificação urbana. Nem mesmo vou citar a delícia que é flanar pela cidade numa tarde qualquer. Vou, no lugar disso, mostrar a todos que esses neo-protestantes são pessoas preparadas para o que o inferno lhes reserva: existe maior castigo do que ficar horas num ônibus lotado, num trânsito infernal, numa rua esburacada, num metrô dez menor do que deveria ser?

Nenhum comentário:

Postar um comentário