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domingo, 16 de outubro de 2011

A canção em mim

Mais um filme que me desafiou. Trata-se de Das Lied in mir, que em português e em outras línguas virou O dia em que eu não nasci. Assisti no Reserva, aproveitando esse meu tempo de indulto, já que hoje mesmo volto para longe, muito longe, de tudo isso.

Eu, que há muito deixei de acompanhar as mudanças quase que semanais dos filmes em cartaz em São Paulo, acabo por me achar perdido diante das possibilidades que os roteiros e guias me oferecem. Não sou mais, como era antes, um ávido frequentador das salas de cinema, nem mais monto roteiros, textos, histórias na minha cabeça enquanto vivo a minha vida. Por isso, segui conselhos, li sinopses (antigamente, algo impensável e abominável) e joguei búzios para escolher um filme que me apetecesse. Pois bem, caí numa fita alemã, rodada em Buenos Aires, que mistura três lúnguas: o inglês, o espanhol e, é claro, o alemão. Só por isso, chamou-me a atenção, paguei e fui.

Esperava algo mais lento, mais reflexivo, do jeito que gosto ao se tratar de uma história da força que o roteirista do filme se propôs a rodar: uma mulher que descobre ser filha de desaparecidos da ditadura argentina, tendo sido levada para fora da Argentina por novos pais alemães, que a esconderam da verdadeira família. O filme, então, seria facilmente levado para o emocional, o psicanalítico, o subjetivo, ou pelo menos era isso que eu esperava quando a tela nos mostra a mulher nadando, depois viajando de carro, depois de avião e por fim esperando o embarque de uma conexão no aeroporto de Buenos Aires.

No entanto, a história que poderia ser a da descoberta de uma nova identidade, ou de um passado novo, é iniciada da forma mais abrupta possível, jogando-nos a uma situação absurda que, se continuasse no absurdo, seria sublime: uma canção de ninar em espanhol faz a alemã chorar por todos os poros no meio do aeroporto. Não é preciso ser um ás da psicanálise freudiana para entender do que se trata: o inconsciente da mulher se lembra da canção, cantada pela mãe desaparecida, da qual ela não tinha conhecimento. Pois esse acontecimento é o gatilho para que se descortine o real passado da protagonista, relatado pifiamente pelo pai alemão, que vai ao seu encontro em terras portenhas.

O resto é um quase embate, uma quase história, um quase drama. Não vemos nem amor nem sofrimento, apesar de o sexo e as lágrimas estarem presentes. Uma pena, pois a locação, os idiomas e o próprio motto do filme renderiam algo magistral. Mesmo a direção sendo precisa, a falha no roteiro e na condução dos personagens nos faz lamentar por um filme que poderia ter sido muito melhor.

Admito que meus hábitos cinéfilos tenham se arrefecido com o decurso desses últimos três anos. Admito, também, que muitas das minhas convicções e da minha visão de mundo tenha mudado. Não admito, entretanto, que o cinema, a experiência cinematográfica e a delícia de desvendar um filme seja levado ao segundo plano na minha vida, e por isso resisto bravamente aos profetas que me apontam o dedo e dizem: és médico, não és sensível nem inteligente para a silverscreen. A tal gente, sugiro que assista a Das Lied in mir.

Aos interessados: http://www.dasliedinmir.de/