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sábado, 30 de abril de 2011

pongate!

-Pongate a escrivir!

O velho de óculos escuros falou comigo em espanhol? Já tinha acontecido tanta coisa estranha naquela sala: a secretária sensualizara comigo roçando seu salto na minha perna debaixo da mesa, uma criança entrara correndo pelo corredor e vomitara na pilha de revistas da semana passada, a mãe dessa criança se materializara do além e deu-lhe uma surra na frente de todos nós, e agora, de repente, um velho que a tudo assistira, como eu, vira-se para mim, aponta-me o dedo e grita comigo em espanhol.

Lembrei na hora de Vargas Llosa: ponha-se a escrever seus romances. Que conselho de ouro, resume toda a ópera bufa da vida de um escritor. Mas mesmo assim, o velho da sala não era Vargas Llosa, nem sabia ele, acho eu, das minhas aspirações, de modo que aquele berro foi tudo, menos edificante.

Tenho meu orgulho, e, como todo ser humano, quando ele é ferido torno-me arisco, irônico, não sou uma pessoa fácil. Não fui educado, portanto, e fingi ignorar o velho. Fingi, é claro, porque não se ignora uma pessoa gritando para você. Acho que ele ficou puto, mas gente velha fica puta com tanta facilidade... Mesmo assim ele continuou, pongate, pongate, pongate, mas foi como um eco de si mesmo que nunca recebeu apoio de meus ouvidos.

Eu olhava para a parede branca da minha frente e assim permaneci durante o monólogo do outro. Por fim, aquela voz um tanto trêmula e repetitiva virou algo como minha própria consciência externalizada, como que me lembrando de que eu preciso escrever, escrever, escrever. Todo aquele tempo inutilizado numa sala de espera, cada segundo passado um segundo jogado no lixo e um velho me lembrando do dever: ponha-se a escrever!

3 comentários:

  1. Ei Luís! Bom te ver escrevendo de novo. Sabe, Iniciei no ano passado uma pós em criação literária. E justamente após começar, travei por completo minha escrita. Até que um dia também recebi um verdadeiro sabão de um amigo meu escritor. Na hora meu sangue ferveu. Fiquei até sem falar com ele por três meses. Coitado! Só queria me dar um tratamento de choque para que pudesse reagir. Reagi e entendo o que passa. Saudades de você.
    Bjs

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  2. só pro Homo sapiens arcaico aqui entender: isso foi autobiográfico ou ficção?

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  3. Foi uma realidade ficcional, um tanto periodística, um tanto imaginativa. Há!

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