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É a história de um capitão da marinha mercante que, ao perceber que seu navio lotado de passageiros irá a pique, abandona-o às escondidas, percebendo seu erro assim que pula da embarcação para o bote salva-vidas. O barco acabou por não naufragar tão rapidamente, e a tripulação foi salva por um outro navio. Jim foi renegado por todos, e acabou por se tornar um nômade náutico no sudeste asiático, pondo em perspectiva tudo aquilo que Joseph Conrad, talvez um dos maiores romancistas ocidentais, considerava como ético, justo, marinheiro.
Quando o tal do Costa Concordia apareceu na televisão inclinado em direção ao fundo do Mediterrâneo, na hora me lembrei de Conrad, de Lord Jim e da estranheza que me causou ler aquele livro. Schettino, o maledetto capitão do Concordia, como um Jim contemporâneo, fugiu do barco que ia a pique sem escrúpulos e se comunicando com a capitania em terra. Sua cara apareceu no mundo todo, e a humanidade vê naquele italiano bon-vivant o nosso Belzebu a ser excomungado de modo a lavar os nossos próprios pecados.
Acho que agora entendi melhor o porquê de Lord Jim ter me deixado tão ensimesmado: o livro fala de um mundo em que valores como coragem, discrição e cumprimento de palavra estavam na ordem do dia, o que se afasta tanto da nossa vida exposta, violenta e sem rumo de hoje. No caso desse cruzeiro encalhado, o encaminhamento das notícias e das reações não tratam de valores. Tratam, isso sim, de vingança, de detalhes técnicos, do relato por vídeo do desespero dos outros ao ver seu barco virar.
Schettino não é o vilão do mundo. Ele é apenas um homem contemporâneo.